Um tango à beira do abismo

Um tango à beira do abismo
(Divulgação/Raúl Lázaro)

 

Os brasileiros são de paz e preferem cenários construtivos, mesmo na política. Os brasileiros não são dados a extremismos e radicalismos. Os brasileiros odeiam polarização e gostam de acordos e negociações que evitem impasses improdutivos e sobretudo um nível destrutivo de conflito. E estamos todos cansados do nível a que chegou a passionalidade política, o radicalismo e o ódio aos adversários na esfera pública brasileira. Estamos cansados de guerra, quase exaustos da histeria política em que todos gritam e ninguém mais escuta ou quer compreender.

Isto é o que frequentemente dizemos de nós mesmo e o que gostamos de acreditar. Na prática o que vemos é outra coisa. Vejam as intenções de voto depois de três semanas de propaganda na televisão e a apenas duas semanas do primeiro turno das eleições presidenciais. Há 13 candidatos, mas os preferidos para a disputa na arena final são o campeão do antipetismo e o campeão do lulismo. Os números indicam que há grande probabilidade de que serão eles a se bater em um duelo no segundo turno.

Para quem está nos polos, parece um cenário animador a chance de derrotar finalmente o inimigo, de enfiar-lhe goela abaixo a própria arrogância e os desaforos ditos nos últimos tempos, e de mostrar a todos que afinal nós somos os melhores. Os torcedores políticos tratam uma eleição presidencial como um jogo, que termina com o apito final, tendo o vencedor tem o direito de festejar e proclamar-se melhor que os seus adversários. Quem vence tem razão e pronto, pelo menos até o próximo campeonato.

Mas para quem não acha que uma eleição é um vídeo game de combate, que a eleição se reduza, no final das contas, a um duelo entre o bolsonarismo e o lulismo, pode ser um cenário de pesadelo. O bolsonarismo não desaparecerá uma vez que Haddad ganhe a eleição. Hoje ele é a escolha de pelo menos 30% dos eleitores registrados no Brasil. Como escreveu recentemente o professor Juremir Machado (PUC-RS), Bolsonaro é menos um candidato e mais “um imaginário, uma mentalidade”. Jair Bolsonaro é uma plataforma onde essa mentalidade está estacionada neste momento. E é a mais nova força política nacional, gostemos disso ou não, nas ruas, nos ambientes digitais ou nos parlamentos. Sim, ganhando ou não a eleição presidencial, o bolsonarismo dá mostras de ter força eleitoral suficiente para eleger a maior Bancada da Bala e da Bíblia de que já se teve notícias. Fujam para as montanhas.

Além disso, o bolsonarismo representa a extrema-direita brasileira, mas a direita que armou a conspiração para tomar o mandato de Dilma Rousseff depois de ter perdido a última eleição pode estar fracassando eleitoralmente na disputa presidencial, mas não está morto nem desaparecerá. Claro que as assim chamadas “forças do golpe” prepararam esta eleição para si e estão chocadas por terem perdido o controle eleitoral dos revoltados e indignados que as apoiaram para que o impeachment se tornasse possível. E que se radicalizaram no bolsonarismo. Alckmin está atônito, perdido mesmo, e tudo o que consegue fazer é anunciar de forma insistente, arcaica e hiperbólica, como a Kombi que vende pamonhas ou ovos nos bairros residenciais das grandes cidades, que ele tem antipetismo para vender, que o seu antipetismo é o melhor, o maior e o mais quentinho. Mas ninguém compra o que ele tem para vender. Meirelles, por sua vez, trocou R$ 45 milhões por menos de 3% de intenções de voto e ainda não decodificou por que ninguém deseja chamá-lo. Mas certamente já entendeu que fez um mal negócio. Mesmo que não nenhum representante dos conspiradores de 2015-2016 vá ao segundo turno, entretanto, isso não significa que não tenham força e articulação política para impor tremendas dificuldades a quem sair vencedor das urnas.  Aliás, força eleitoral nas disputas presidenciais não tem sido exatamente o forte deles, mas nada disso lhes impediu de fazer os arranjos políticos necessários para tomar o mandato popular da última presidente eleita.

O lulismo tampouco vai ser morto se Bolsonaro for eleito. O lulismo veio para ficar e não irá desaparecer por causa da Lava Jato, de uma derrota presidencial ou até mesmo de uma eventual morte de Lula. Ao contrário, a Moro, ao TRF4 e à percepção geral de que no Brasil há uma Justiça “ad hoc” para Lula e outra, normal, para os outros políticos, deve-se o renascimento do petismo na forma do lulismo. Quem, em sã consciência, depois de ver os resultados do PT nas eleições de 2016, imaginaria que o partido poderia se tornar tão competitivo este ano, a ponto de Lula chegar a reunir 40% das intenções de voto? O lulismo, creio, permanecerá na cena política, mutatis mutandis, como uma espécie de peronismo à brasileira. E se não sabíamos o seu tamanho eleitoral, logo o saberemos quando os votos deste segmento estacionarem em Haddad, o Lula putativo de 2018. Pelo visto, outro terço dos eleitores brasileiros, pelo menos, resolveu fazer do lulismo a sua aposta política.

Não há como não imaginar que, após as eleições, os três segmentos continuarão as escaramuças, a espiral de radicalização e o ciclo interminável de massacres, retaliações e de demandas de reparação. Em um governo Bolsonaro não me surpreenderia o ressurgimento, por exemplo, de Comandos de Caça aos Comunistas, dada o estado de fúria e alienação mental dos bolsonaristas mais radicais. E temo que mesmo Haddad, reconhecidamente mais moderado e muito mais inteligente que o seu competidor, será empurrado pela fúria retaliadora lulista para alguma forma de ajuste contas. E pelo que se depreende do comportamento dos lulistas online, há muita fúria e há tanta sede de desagravo e desforra.

E assim, apagando fogo com gasolina e apostando eleitoralmente nos dois polos que estocaram raivas e ressentimentos suficientes para algumas gerações, o cordial e pacífico brasileiro dança um tango, às cegas, à beira do precipício.


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