“As margens da ficção”, de Rancière, e outras sugestões de leitura
Em seu mais recente livro, o filósofo francês analisa autores como Virginia Woolf e Guimarães Rosa
[não-ficção]
Em seu livro mais recente, publicado na França em 2017, o filósofo Jacques Rancière acompanha, em 12 ensaios, o movimento pelo qual a ficção moderna dá as costas à razão ficcional clássica e vai se abrindo para a percepção de um mundo verdadeiramente democrático de experiências comuns. Entre os autores analisados estão Virginia Woolf, Joseph Conrad, William Faulkner e W.G. Sebald. O último capítulo é dedicado aos contos de Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa.
Reunião de artigos inéditos sobre a história, a cultura e o cotidiano da África, entre eles o que relata a visita a uma comunidade de descendentes de ex-escravizados brasileiros na Nigéria. O autor, que completa 90 anos em 2021, vale-se nesses textos de sua experiência de diplomata e historiador, com vários anos de observação in loco no continente africano. No prefácio, Costa e Silva afirma que “a história que lemos e escrevemos é feita de surpresa, espanto, esperança, medo e sonho (sob a forma ou não de pesadelo)”.
Woodson (1875-1950) é considerado o pai da história negra nos Estados Unidos. Filho de escravizados, foi historiador, jornalista e professor universitário. Neste livro ele mostra, com exemplos práticos e propostas de soluções, que o os currículos escolares são baseados na cultura eurocêntrica, desprezando a história e a cultura africanas. O rapper e escritor Emicida, autor do prefácio, compara os escritos do livro a uma bússola que “pode oferecer soluções valiosas para que o amanhã não seja só um ontem, com um novo nome”.
Seleção de textos escritos pelo psiquiatra e filósofo antilhano no período entre suas duas obras mais conhecidas, Pele negra, máscaras brancas e Os condenados da terra. Foram publicados no jornal El Moudjahid, importante veículo de propaganda da Frente de Libertação Nacional (FLN) da Argélia, da qual Frantz Fanon foi o principal porta-voz teórico, ao denunciar a associação entre capitalismo e colonialismo. Assim, o livro se apresenta como narração e reflexão sobre a revolução argelina, com observações acerca de todo processo revolucionário.
[ficção]
Ecoando o Livro dos seres imaginários de Jorge Luis Borges, o novo livro da poeta mineira traz breves verbetes sobre seres – animais, vegetais e imaginários – em tom íntimo e poético. À forma científica, com a indicação das nomenclaturas latinas, sobrepõe-se o pastiche do próprio registro botânico. Ao descrever um cágado-tigre-d’água, por exemplo, não se prende apenas à observação de seus hábitos e fenótipo, mas também nota um espécime “boquiaberto”, sem entender como fora transformado em animal de estimação. Como um bestiário medieval, cada ser é ilustrado por desenhos da artista Julia Panadés.
Como indica o título, trata-se de uma transposição da tragédia de William Shakespeare ao solo russo. Turguêniev transpõe a história do rei bretão, que queria dividir suas posses entre as filhas, para uma pequena propriedade rural. Como escreve Jéssica Farjado, que assina a tradução, desde seu primeiro romance, Rúdin (1856), o escritor russo já estabelecia contato com Shakespeare, por meio de Hamlet. Quatorze anos depois, criou em O Rei Lear da estepe um romance sólido e profundo, encontrando as “correspondências entre dilemas morais da nobreza inglesa e dos camponeses russos”. A edição traz ainda o “Discurso sobre Shakespeare”, proferido por Turguêniev durante comemorações do tricentenário do dramaturgo inglês.
Nos 22 contos reunidos no volume, o escritor angolano retorna à sua infância em Luanda, entre finais da década de 1970 e inícios de 1990. O olhar da criança perpassa as narrativas: na interação com os professores na escola, com os amigos nas brincadeiras de rua, nos primeiros namoricos. Apesar do tom autobiográfico, por esse olhar revela-se também a história recente de Angola, com os resquícios da guerra pela independência (1975) e a esperança de uma jovem nação reconstruindo-se após o jugo colonial.
Incluído pelo escritor Ricardo Piglia entre os “24 livros essenciais” de sua biblioteca de literatura argentina, o romance nasceu de uma entrevistas que a autora fez em 1968 com um índio wichí. Encantada com sua fala poética e insurgente, escreveu este monólogo de um indígena dividido entre seu mundo tradicional e o cristão. Eisejuaz, ou Lisandro Vega, procura a própria santidade, renegando a doutrina missionária ao mesmo tempo que é marginalizado em sua terra. Publicado em 1971, o romance foi recuperado apenas nos anos 2000 por Piglia.