Maya Angelou tem primeira e última autobiografias publicadas no Brasil

Maya Angelou tem primeira e última autobiografias publicadas no Brasil
A poeta e escritora Maya Angelou (Divulgação)

 

“Quando escrevo eu, o significado é nós”. Era assim que a escritora e ativista Maya Angelou (1928 – 2014) definia sua escrita: uma primeira pessoa do singular com voz de terceira pessoa do plural. Ao longo de seus 86 anos, ela mergulhou fundo no que Conceição Evaristo chama de escrevivência: ao todo, escreveu 23 livros de poesia e sete autobiografias, obras sempre atravessadas pelo racismo, pela misoginia e pela desigualdade social.

Em 2018, a primeira e a última das obras autobiográficas de Angelou ganham versões brasileiras. Eu sei por que o pássaro canta na gaiola (1969), um olhar sobre sua infância e juventude, deve ser relançada em junho após nove anos esgotada no país; já Mamãe & Eu & Mamãe (2013) – focada na conturbada relação de Angelou com a mãe durante a adolescência – é inédita e tem lançamento previsto para abril.

“Os escritos biográficos de Maya Angelou são um excelente exemplo para observar as várias formas de ser uma intelectual negra”, define a historiadora Giovana Xavier, professora da UFRJ e coordenadora do Grupo Intelectuais Negras, que assina a orelha da edição de Mamãe & Eu & Mamãe. “Possuem um rico repertório temático: infância, sistema educacional, trabalho, segregação racial, movimento pelos direitos civis, violência de gênero, empoderamento feminino e tantos outros assuntos que integram a história da nação americana.”

Classificado pelo poeta James Baldwin como “um estudo bíblico da vida em meio à morte”, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola (Astral Cultural) é uma das primeiras autobiografias escritas por uma mulher negra nos Estados Unidos. O livro retoma as lembranças mais antigas de Angelou, que aos três anos foi abandonada pela mãe e passou a morar com a avó no Sul segregado. A autora lembra dos anos de dificuldades financeiras entre a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, do medo da Ku Klux Klan e de como, após ter sido violentada, aos oito anos, ficou muda por mais cinco.

Angelou só retomaria a fala quando, ajudada por uma vizinha da avó, passou a escrever e a recitar poesia. Então com 13 anos, ela voltou a morar com a mãe na Califórnia – uma convivência inicialmente cheia de mágoas, mas que amadureceria para uma relação de carinho e suporte mútuo. É deste período que trata Mamãe & Eu & Mamãe (Record), espécie de resposta potente à primeira autobiografia, agora tomando como pano de fundo a luta por direitos civis, da qual a poeta participou ativamente ao longo da vida. 

Nascida Marguerite Ann Johnson, em 1928, desde pequena Angelou tinha consciência do racismo que sofria, inicialmente na forma do olhar cortante dos vizinhos da “parte branca” da cidade. Mas foi só em 1960, quando morava em Nova York, que a autora passou a dedicar-se à luta antirracista, a partir do contato com nomes como Rosa Guy, Max Reach e James Baldwin – que acabou se tornando, além de amigo íntimo, um tipo de conselheiro literário. 

Especialmente atraída pela postura pacifista de Martin Luther King Jr., aos poucos Angelou aderiu ao movimento pelos direitos civis, algo que moldaria definitivamente sua vida e sua escrita. Em Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, por exemplo, ela reflete: “Já em seus primeiros anos de vida, a mulher negra […] se vê presa no triplo fogo cruzado do preconceito masculino, do ódio ilógico branco e da falta de poder do negro. O fato de uma mulher negra americana adulta emergir com uma personalidade extraordinária é frequentemente visto com espanto, repugnância e até beligerância”.

Na visão de Xavier, as autobiografias de Angelou fazem mais do que dar visibilidade às experiências de mulheres negras: elas derrubam a percepção de que a escrita de autores negros seria relevante apenas para leitores negros, “como se as estruturas opressoras, descritas magistralmente por Maya, fossem um ‘problema do negro’”. O trunfo de Angelou, ao contrário, é mostrar que as violências racistas são parte da “história ‘total’ dos Estados Unidos”, o que, para Xavier, é seu “principal legado”.

“Angelou relaciona-se ao poder narrativo de uma mulher negra que recusa o lugar imposto de corpo sem mente através de palavras escritas com muita observação e escuta. O fato de que mulheres negras sempre tiveram voz, criatividade e alta capacidade de reinvenção frente às formas adversas de existência é o maior ensinamento de sua obra, altamente inspiradora do ir em busca do que realmente amamos fazer”, resume a historiadora.

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