As faces espelhadas de Eros
Hilda Hilst na Casa do Sol, 1998 (Foto Juan Esteves)
1 Lançado em 1990, O caderno rosa de Lori Lamby foi considerado, no calor da hora, um livro de virada radical na literatura de Hilda Hilst. Afinal, como compreender a inesperada criação da escritora, que narrava as escandalosas memórias sexuais de uma menininha de oito anos de idade sem o menor pudor e sem reserva no emprego de palavras obscenas?
Não foram poucos os leitores, amigos e críticos a declarar perplexidade diante da “nova fase” da autora que, após quatro décadas dedicadas a uma obra “séria”, passava a praticar, de forma ostensiva, o que parecia ser o mais deslavado gênero pornográfico. Ela, por sua vez, reagiu a tal desconfiança ora com declarações irônicas, no mais das vezes justificando a opção pela falta de dinheiro, ora com discursos cifrados, que demandavam interpretação. Um destes está na contracapa de Amavisse, livro de poemas publicado na época, em que ela anunciava aos leitores o controverso título, pedindo que lhe poupassem “o desperdício de explicar o ato de brincar”. “A dádiva de antes (a obra) excedeu-se no luxo./ O caderno rosa é apenas resíduos de um Potlatch./ E hoje, repetindo Bataille:/ ‘Sinto-me livre para fracassar’”.
Acolher a possibilidade do fracasso se apresentava, portanto, como condição do exercício da liberdade. De fato, o que estava em jogo para Hilda naquela virada de década, que também prenunciava uma virada de século, era seu desejo de explorar outras formas do dizer literário, de excursionar por regiões não devassadas por seu gênio criador, de se arriscar em p
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