“Slides”, de Katia Maciel, e outros lançamentos
[ficção]
“Uma poética que ruma para o claro, que se preocupa em dar a ver sem jamais baratear o que há de verdadeiramente misterioso nas coisas. Encontramo-nos aqui num território de coexistências a um só tempo improváveis e inteiramente comprováveis, que colocam ao leitor a pergunta: o que é natural, o que é contranatura?”. Assim o escritor Ismar Tirelli Neto define Slides, o novo livro de poemas da escritora e artista carioca Katia Maciel, o sexto de sua carreira. Dividido em 5 seções, ou “slides”, o livro continua certa reflexão sobre “temporalidades outras – preparo, espera, repetição e guarda”, característica de sua investigação artística, ainda na opinião de Neto. O tempo e suas sobreposições perpassa muitos dos poemas, como se lê em “movimento”: “se não houver ação há memória/ se houver memória há matéria// fuligem do sentido/ duração e perda/ continua// no passado/ o presente que ele foi// no futuro/ o passado que ele é”.
Sob o pseudônimo de Délia, a escritora e jornalista gaúcha Maria Benedita Bormann publicou Lésbia no Rio de Janeiro do século 19. Ambientando na belle époque carioca, o romance narra a trajetória de Arabela, uma jovem de educação requintada que, através de suas habilidades como escritora, consegue sobrepujar o lugar de submissão destinado às mulheres em uma sociedade extremamente patriarcal. Ao obter sucesso com sua escrita, Arabela pode abandonar o casamento repressivo e humilhante e passa a ser objeto de obsessão dos muitos homens que a rodeiam. Para Maria do Rosário A. Pereira, doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais, Bormann antecipou em seu romance questões contemporâneas como o empoderamento feminino, o abuso doméstico, o desejo da mulher e a depressão.
No segundo livro da romancista e jornalista libanesa Hoda Barakat publicado no Brasil pela Tabla, acompanhamos o percurso de Niqula Mitri por uma Beirute devastada pela guerra. Em primeira pessoa, o protagonista recorta eventos e pessoas de seu passado: a história de seus pais, de origem egípcia; sua relação com a amada Chamsa; seu amor pelos tecidos, herdado do pai, não um “mero comerciante de pano”, mas “um homem de conhecimento, que tinha compreendido o segredo”, como escreve o narrador. Aos vincos impossíveis remetidos pelo título, em “arar as águas”, sobrepõem-se os vincos e urdiduras dos panos, em uma trama que entretece a vida de seu protagonista à história mais ampla.
“nessas mãos/ mora a determinação/ de vulcões, terremotos e dobramentos modernos// nessas mãos/ mora o enfrentamento/ de frear processos produtivo e cavucar terra seca// nessas mãos/ mora a mais aguerrida possibilidade/ de parir-se/ poesia”, declaram-nos os primeiros versos de Folheto, segundo livro do poeta paraibano Paulo Dantas. Se evocam a terra, a poesia que vem de dentro, também relacionam-se à resistência, à força de “frear processos produtivos”. Como nota Tarso de Melo, que assina a orelha do livro, tal dualidade está presente desde o título da obra: o “folheto” que remete, ao mesmo tempo, ao cordel e ao panfleto político. Folheto com “um certo jeito de usar a língua, palavras e imagens que arrastam nossa cabeça para o sertão, outras que nos devolvem para nossos apartamentos, para nossas ruas, para o asfalto, um ritmo aprendido na ‘poesia popular’ e mesmo diretamente na fala-faca do povo”, escreve Tarso de Melo.
[não ficção]
Dando início ao projeto da Relicário de publicar as obras de Marguerite Duras no Brasil, Escrever traz 5 ensaios da escritora francesa, ícone do nouveau roman: o ensaio homônimo que nomeia o livro, “A morte do jovem aviador inglês”, “Roma”, “O número puro” e “A exposição da pintura”. Publicado originalmente em setembro de 1993, dois anos antes de sua morte, Escrever é uma espécie de “testamento literário” de Duras, focado em seus processos de criação literária. “A escritora e seus amantes, seus amigos, sua infância selvagem na Indochina colonial, seus livros e personagens coextensivos à sua vida, seus filmes rodados a partir dos livros, sua ligação com o PCF, a maternidade, o convívio com o mar de Trouville e os jardins de Neauphle, sua autoestrada de palavras de cronista: tudo está aqui, tudo irradia do coração da casa”, enumera Mariana Ianelli no texto de orelha.
Obra incontornável no debate sobre racismo institucional, Black Power: a política de libertação nos Estados Unidos foi publicada em 1967 por Kwame Ture, um dos fundadores dos Panteras Negras, e Charles V. Hamilton, também membro do partido. Nas primeiras linhas do prefácio original da obra explicita-se seu objetivo: um livro “sobre o porquê, onde e de que maneira os negros nos Estados Unidos devem se unir. É sobre negros cuidando dos seus assuntos — assuntos dos e para os negros”. A edição brasileira conta com prefácio de Bokar Biro Ture, filho de Kwame Ture, que reforça a potência do livro, “símbolo da juventude e da autoconfiança do movimento Black Power, que elevou a luta por direitos civis nos Estados Unidos e inspirou movimentos de libertação em todo o mundo”, como escreve. Entre os anos 1960 e 1970, foram os ativistas do Black Power que “impulsionaram uma nova consciência coletiva que unia lutas globais por meio de visões anticoloniais, anti-imperialistas e pan-africanas”, complementa Bokar Biro Ture.
Espécie de história cultural da gastronomia brasileira, o livro de Carlos Alberto Dória delineia as bases histórico-sociais da culinária brasileira, apontando seus fatores constitutivos. Desde o período colonial, o autor, que pesquisa a alimentação e a gastronomia do país, traça a formação e evolução da culinária nacional. Os ingredientes, as técnicas culinárias, a influência indígena e as práticas sociais que constituíram os hábitos alimentares e os pratos nacionais são alguns dos tópicos que emergem desses ensaios. Originalmente publicado em 2014, a reedição da Fósforo conta com prefácio da chef Helena Rizzo, que considera a obra de Alberto Dória como uma ampliação da “reflexão sobre a cozinha brasileira” para “libertá-la de uma visão estreita, engessada pelo tempo, por ideias feitas e preconceitos”.
Atriz, roteirista, diretora, ícone do Cinema Novo e do Cinema Marginal, Helena Ignez tem sua trajetória explorada na obra de Pedro Guimarães e Sandro de Oliveira. Ao explorar sua figura contraditória e revolucionária, “expressionista e burlesca, hierática e sexual, cerebral e animal, naturalista e poética”, nas palavras de Chistophe Damour, o livro contribui de forma pioneira nos estudos do ator e da atriz como integrante da forma fílmica, na opinião de Ismail Xavier, que assina o prefácio. Uma análise que “se dedica a um processo de criação muito especial que, pela riqueza de práticas e estratégias de atuação desenvolvidas pela atriz, permite uma ampla caracterização de métodos de trabalho do cinema moderno”, complementa Xavier.