Os animais e os limites do humano
‘Regras da razão’, por Salvador Dali (Arte Revista CULT)
O ensaio “Apologia de Raimond Sebond”, de Montaigne, não constitui uma mera defesa das ideias do teólogo catalão referido no título. Tampouco se circunscreve aos limites do ceticismo que o filósofo francês fez ressurgir no âmbito da filosofia moderna. Seu alcance extrapola o próprio século em que foi escrito e os que receberam seus influxos imediatos, para chegar também ao nosso tempo como um texto atual, que desafia os dogmas do racionalismo e do antropocentrismo, apontando novas diretrizes para o pensamento.
Sua potencialidade de atravessar os séculos e se inscrever, de forma inquietante, no presente pode ser vista, por exemplo, no impacto que tem provocado nos recentes estudos sobre a questão animal, bem como no processo de reconfiguração – fora da moldura antropocêntrica que envolveu a tradição filosófica do Ocidente – do próprio conceito de humano. Isso porque Montaigne subverteu a concepção hierárquica de natureza – pautada na ideia do homem como animal racional e, portanto, superior aos demais – e fez uma ampla defesa das faculdades e habilidades de diferentes espécies do “mundo zoo”, oferecendo subsídios instigantes ao debate contemporâneo sobre as controversas relações entre viventes humanos e não humanos.
Ao desqualificar o que chamou de presunção humana e criticar a razão de feição ortodoxa, tida como “o divino do homem”, Montaigne não apenas admitiu, nesse que é seu mais longo ensaio, a existência de formas alternativas de racionalidade, como ainda assegurou que a razão pode ser exercida
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