Além dos Ensaios: um diário de viagem

Além dos Ensaios: um diário de viagem
‘Semelhança de filhos com os pais’, por Salvador Dali (Arte Andreia Freire)
  “Costumo responder aos que me indagam o motivo de minhas viagens: que sei bem do que fujo, mas não o que procuro.” De fato, em 1580 não seriam poucos os motivos para Montaigne pensar em fugir. As guerras de religião ainda estavam longe do fim, a memória da Noite de São Bartolomeu era recente e a tristeza pela morte do grande amigo La Boétie, ainda que quase vinte anos antes, teimava em popular seus pensamentos. Além disso, a rotina dos afazeres domésticos bem como as obrigações de marido davam contornos enfadonhos à sua vida. No entanto, com o fim da redação daquilo que seria a primeira edição de seu livro Ensaios, o período de recolhimento à companhia das doutas musas estaria por acabar. Sempre a cavalo – seu apreço pela equitação nunca foi segredo – e acompanhado de uma entourage de alguns empregados e nobres – entre eles, seu irmão mais novo, Bertrand de Mattecoulon –, em setembro de 1580 o ensaísta passa pela Suíça, Alemanha e Áustria antes de cruzar os Alpes pelo Passo do Brennero e chegar à Itália, por onde ficou até ser informado de que havia sido eleito prefeito de Bordeaux, para retornar ao sudoeste da França quinze meses depois, no fim de novembro de 1581, totalizando um deslocamento estimado em mais de cinco mil quilômetros. As quase trezentas páginas de anotações do Diário de Viagem que deixou não são, no entanto, meramente o registro de alguém procurando conforto, num exercício de escapismo em tempos conturbados. Ao contrário do que o famoso trecho do ensaio “Sobre a Vaidade” pode sugeri

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