Mulheres negras na política: celebrar não é baixar a guarda
O Mulheres Negras Decidem promove a agenda liderada por mulheres negras na política institucional (Foto: Wendy Andrade)
Representatividade na política é um tema que vem ganhando espaço na agenda pública nos últimos anos. O curioso é que para os grupos não representados, como mulheres negras, quilombolas, indígenas, LGBQTI+, isso não é nenhuma novidade. Para refletir sobre isso e sobre o que significou o resultado das urnas no último 15 de novembro é preciso olhar para trás.
Existe o mito de que as mulheres negras não são eleitas porque não se candidatam. Mas, na realidade, dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que o universo de mulheres negras candidatas (16,8%) é muito similar ao de mulheres brancas (16,9%), levando em conta os cargos para as câmaras municipais em 2020.
Em 2016, grandes capitais não tinham nenhuma mulher negra eleita. Naquelas eleições, quando percebemos quem efetivamente se elegeu, tínhamos 8,4% de mulheres brancas e 5% de mulheres negras, 0,1% amarelas e nenhuma indígena (considerando dados de 2016 sobre vereadoras).
Mas em 2021 teremos algumas delas ocupando espaços de tomada de decisão e batalhando por nós: Karen Santos (PSOL), Laura Sito (PT), Bruna Rodrigues (PCdoB) e Daiana Santos (PCdoB) em Porto Alegre (RS); Dani Portela (PSOL) no Recife, Carol Dartora (PT) em Curitiba, Camila Valadão (PSOL) e Karla Coser (PT) em Vitória, Tainá de Paula (PT) no Rio de Janeiro, Edna Sampaio (PT) em Cuiabá, Vivi Reis (PSOL) no Pará.
Sabemos que essas eleições foram extremamente desafiadoras por conta do contexto da Covid-19. Falta de recurso, desemprego, isolamento foram barreiras que se acumularam na corrida eleitoral.
Ainda assim, temos aprendizados e experiências graças à sociedade civil. Essas eleições nos revelaram a força da articulação das lideranças. O Movimento Mulheres Negras Decidem, em parceria com o Instituto Marielle Franco, realizou a Pesquisa “Mulheres Negras Decidem – Para Onde Vamos” com 245 mulheres negras em todas as regiões do país. Uma das lições que tiramos dela foi que “só há uma maneira de sairmos da crise sem cometer os mesmos erros do passado, que é construindo caminhos com uma perspectiva negra e coletiva. A resposta para onde vamos pós pandemia virá das mãos das mulheres negras.”
Quando falamos de mulheres negras na política precisamos esclarecer que não se trata de uma atuação específica, que se resume apenas a questões étnicos/raciais. Mulheres negras vivem vidas interseccionais, enfrentando racismo e sexismo, muitas vezes ao lado da pobreza, da transfobia etc. Estamos falando de saber o que significa lutar por sobrevivência – ainda mais com o crescimento da violência política contra mulheres. Tratam-se de pessoas como Carolina Maria de Jesus, que sonhava com um projeto de país. “Comigo o mundo vai modificar-se, não gosto do mundo como ele é.”
Mulheres negras são aquelas
que carregam sonhos, legado
e ancestralidade da construção
de um país. Não é algo que
começou agora e nem que
terminará amanhã: é
continuidade. De um país
que é de todas e todos nós.
Tratar da fome, da falta de acesso à saúde e do desemprego, por exemplo, é combater o racismo, já que a população parda/preta representa mais de 55% dos brasileiros – são problemas atingem muito esse grupo -, mas também é garantir políticas públicas universais.
Dito isso, a resposta que tivemos nas urnas para os desafios das eleições de 2020 só foi possível porque foi construída coletivamente. A incidência com órgãos públicos como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre distribuição proporcional de recursos e tempo de TV e rádio para candidaturas negras foi realizada por um grupo de atores e atrizes do movimento negro (Coalização Negra por Direitos, Educafro, Instituto Marielle Franco, Movimento Mulheres Negras Decidem e mais 60 organizações) para garantir uma divisão mais igualitária dos recursos. Em 2018, as mulheres negras receberam apenas 6,7% do dinheiro dos partidos destinados à campanha.
Além disso, houve crescimento e fortalecimento de estratégias de financiamento coletivo e de redes de candidaturas negras. Alcançamos números históricos de visibilidade dessas lideranças, e elegemos nossas candidatas em muitas cidades.
Lélia Gonzalez, que já concorreu a cargos na política institucional, resume bem o que colocamos em prática: “Ao reivindicar nossa diferença enquanto mulheres negras, enquanto amefricanas, sabemos bem o quanto trazemos em nós as marcas da exploração econômica e da subordinação racial e sexual. Por isso mesmo, trazemos conosco a marca da libertação de todos e todas. Portanto, nosso lema deve ser: organização já!”
Sem organização e articulação cada vez mais fortes não avançaremos, pois os desafios ainda são grandes e estruturais. Por exemplo, no estado da Bahia, que tem a maior concentração de pessoas negras no Brasil, a diferença entre o grupo demográfico de mulheres negras na população e sua representação na câmara de vereadores chega a 40%, segundo dados do TSE.
Portanto, celebrar nossas vereadoras negras, quilombolas e LGBTQI+ eleitas é honrar os avanços possíveis que conquistamos por meio do voto de diversos eleitores que acreditam na potência da agenda da equidade e representatividade na política. Não haverá uma construção de democracia justa sem a energia das mulheres negras.
Ao comemorar esse cenário, não estamos deixando de lado a tarefa desafiadora de combater o racismo, o sexismo e toda forma de opressão, especialmente na política. Inclusive, estamos acompanhando nossas representantes para garantir que estejam seguras. Celebrar não é baixar a guarda. O caminho é longo, mas já está sendo iluminado.
Diana Mendes é cofundadora e coordenadora de Monitoramento e Avaliação do Movimento Mulheres Negras Decidem, para fortalecimento de mulheres negras na política. Dedica-se a aprofundar estudos e leituras em indicadores sociais e avaliação sistêmica de projetos sociais.