Montaigne em Brás e Bento
Retrato de Montaigne por Salvador Dali (Arte Andreia Freire)
A leitura dos Ensaios de Montaigne foi decisiva para a elaboração das duas obras-primas machadianas: Memórias póstumas e Dom Casmurro. O primeiro marca a grande virada no romance de Machado, iniciando o que esse chama de segunda fase de sua obra, na qual predomina o foco narrativo restritivo (em primeira pessoa) e, coerentemente com este foco, uma visão de mundo cética. No caso destes dois grandes romances, os narradores ficcionais “apresentam-se a si mesmos como tema e como assunto” de suas respectivas narrativas. Os livros que escrevem quase que se identificam com os seus autores. A inovação formal das Memórias póstumas bem como o seu conteúdo filosófico geraram a dúvida em Capistrano de Abreu – citada por Machado no prólogo da quarta edição publicada na Obra Completa em quatro volumes (2008) – se o livro seria um romance. Machado responde remetendo-se ao autor ficcional Brás Cubas “que se pintou a si e a outros conforme lhe pareceu melhor e mais certo”. Segundo Brás, sua obra é “supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, cousa que não edifica nem destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos que apostolado”. A semelhança com a controvérsia sobre o estatuto filosófico ou literário dos Ensaios não é mera coincidência.
No mesmo parágrafo em que define o estatuto filosófico de sua obra, Brás revela essa sua fonte. Inspirando-se em parte na forma dos Ensaios, é natural que Machado em Brás também absorva parte do ceticismo de Montaigne. O pon
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