Montaigne e seus canibais

Montaigne e seus canibais
Os canibais, por Salvador Dali (Arte Andreia Freire)
  Sob a forma terna de “meus canibais”, Montaigne traz à tona um tema-chave para o século 16: a conquista americana, dedicando-lhe dois capítulos dos Ensaios. O primeiro, “Dos canibais”, retrata os Tupinambá e alude à colonização francesa da Baía de Guanabara, período menos violento e mais harmonioso entre indígenas e europeus. Para aproximar o europeu de uma cultura tão diferente, ele faz uma releitura favorável mesmo do canibalismo (mencionando inclusive exemplos antigos e contemporâneos de canibalismo na Europa), preza a extrema simplicidade (depreciada como bestialidade pelos europeus) e humaniza essa gente louvável pelos seus valores. “É um povo, diria eu a Platão, no qual não há a menor espécie de comércio; nenhum conhecimento das letras; nenhuma ciência dos números; nenhum título de magistrado nem de autoridade política; nenhum uso de servidão, de riqueza ou de pobreza; nem contratos; nem sucessões; nem partilhas; nem ocupações, exceto as agradáveis; nem vestimentas; nem agricultura; nem metal; nem uso de vinho ou de trigo. As palavras que designam a mentira, a traição, a dissimulação, a avareza, a inveja, a maledicência, o perdão são inauditas. A república que Platão imaginou, como a consideraria distante dessa perfeição”. O ensaio “Dos coches” ilumina a conquista figurada pelo espanhol, descrevendo os povos mexicanos e peruanos. Apesar de seu incrível avanço tecnológico em face do “vizinho” canibal, essas sociedades permanecem demasiado distantes do europeu, levando Montaigne a enfatizar uma

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