Montaigne e as paixões: contra o voluntarismo e o intelectualismo

Montaigne e as paixões: contra o voluntarismo e o intelectualismo
'Da vaidade', por Salvador Dali (Arte Andreia Freire)
  Ao longo de quase toda a história da ética, com poucas exceções, sobretudo antes das filosofias do século 19 e do advento da psicanálise, o vício moral e a infelicidade humana foram explicados como fruto da servidão às paixões (impulsos irracionais que, segundo esta longa tradição, arrastam os indivíduos e os levam a buscar ou a fugir do que não deveriam). Esta tradição mostra-se cindida em duas correntes principais: a dos voluntaristas, para os quais o vício moral é produto da fraqueza da vontade (isto é, da incapacidade de resistirmos à pressão dos apetites e de suportarmos a dor), e a dos intelectualistas, para os quais ele é fruto da ignorância. Um pensador que fez do domínio de si o núcleo de sua ética, tomando-o como condição de toda e qualquer virtude, foi Xenofonte (430-354 a.C.), filósofo, historiador e chefe militar que, como Platão, foi discípulo de Sócrates. Foi justamente nas obras dedicadas a defender o mestre acusado de corromper os jovens atenienses (ver Apologia de Sócrates, Banquete, Econômicos e Ditos e feitos memoráveis de Sócrates) que Xenofonte estruturou sua ética em torno das noções de continência (a capacidade de resistir à pressão dos apetites ou enkrateia, em grego) e fortaleza(a resistência à dor, ou karteria). Nesses textos, essas duas capacidades são apresentadas como o fundamento de todas as virtudes – ou, mais ainda, de tudo o que é bom e útil. Elas são condição da riqueza, pois o continente não tem por que dilapidar o próprio patrimônio; da amizade, pois ele não trata os ou

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