“Dicionaro”, de Carlos Castelo, e outros lançamentos literários
Ao longo de 2020, o escritor Carlos Castelo escreveu semanalmente, no jornal Plural Curitiba, verbetes humorísticos que funcionavam como um “diário do governo”, registrando entradas como “E daí?”, “Filosofia do palavrão”, “Messias”, “Peido do palhaço” e “Trogloditadura”. Seus textos são reunidos agora, em versão revista e atualizada, no livro Dicionaro, o dicionário de bolso. Como escreve Rogério Galindo, editor do jornal Plural Curitiba, “Carlos Castelo resistiu, brilhantemente, com estas armas que aprendi a admirar desde cedo, nele e em outros: a inteligência, o humor fino e a vontade de dar uma surra de palavras em todos aqueles que atravancam o nosso caminho”.
Em seu segundo livro de poesia, encontramos o escritor e jornalista paulista Armando Martinelli em versos que, como a tentar alumiar o abismo que nos circunda, atravessam a prosa, a forma dialogada, a descrição cotidiana e notícias de jornal. O abismo, de fato, perpassa. Além de ecoar no título, ele aparece em cada epígrafe que abre as quatro partes do livro: “A tampa do bueiro sucumbe” com Cesare Pavese; “Poros expostos em vista nublada” com Clarice Lispector; “Extensões possíveis ao restrito cenário” com Caio Fernando Abreu; e “A invenção do instante” com Thiago de Mello. Como Daniel Viana escreve no prefácio, o poeta apresenta “mundos (em plano aberto) e micromundos (em zoom)”, em um movimento que tenta apreender as dimensões dos Brasis e denunciar “um país em escombros, repleto de rachaduras em suas paredes sobreviventes, moldado em tradição”, ainda nas palavras do prefaciador.
Coletânea de artigos que a cantora e filósofa Eliete Eça Negreiros publicou nas revistas Piauí e Caros Amigos entre 2012 e 2014. São 52 textos que versam sobre diferentes compositores e movimentos musicais no país, indo de pioneiros como Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga à geração da própria autora, com Arrigo Barnabé e Eduardo Gudin, passando por nomes e momentos incontornáveis como a Era de Ouro do samba, a bossa nova, a MPB e os sambistas cariocas dos anos 1950-1970. Nesse percurso, também fala de artistas internacionais, como o estadunidense John Coltrane e a cubana Omara Portuondo, além de refletir sobre a influência da música em outras artes, como na literatura de Julio Cortázar e Manuel Bandeira ou no cinema de Rogério Sganzerla.
Em 64 poemas de cinco versos cada se estrutura o novo livro do escritor paulista Luís Perdiz, em uma espécie de “poética da ecologia, do xamanismo e do encontro amoroso”, como registrado na orelha da obra. Em tal poética ressoam nomes como o beatnik Michael McClure e o poeta brasileiro Roberto Piva, em um movimento de “reinvidicação do panteísmo” e “reivindicação de uma relação com o natural ao mesmo tempo arcaica e inovadora”, como nota o poeta Claudio Willer no prefácio da obra. Em nossa época de intenso desmatamento, desrespeito aos povos originários e desastres ambientais, os poemas de Luís Perdiz afirmam-se como resistência e “negação deste estado de coisas”, nas palavras de Willer.
Nos doze contos reunidos em Os quinze Heitorzinhos e outras histórias, o fantástico e o inaudito se encontram para perscrutar memórias, pessoais e coletivas. Quinze crianças que nasceram em um mesmo parto, uma rosca viva, um inseto gigante ou uma estátua pensativa são algumas das personagens que despontam de suas páginas para traçar “cenários difíceis de um Brasil que se divide entre ruína e reconstrução, passado, presente e futuro, com geografias habitadas por raízes e perdas do sudeste ao nordeste, do século XX ao XXI”, como escreve Iracema Macedo no prefácio à obra. No livro de estreia do escritor e artista plástico carioca Helcio Barros, notamos a influência das artes visuais em sua criação literária, com imagens cinematográficas e contos que parecem curtas-metragens, como igualmente nota Iracema Macedo.