Deleuze esquizoanalista

Deleuze esquizoanalista
(Foto: Raymond Depardon)
  Primeira cena: 1973. Há três anos venho acompanhando os seminários de Deleuze em Vincennes – o bairro onde se localizava inicialmente a Université Sorbonne Paris VIII – e há um ano venho me analisando com Guattari. Com seu humor habitual, Deleuze costuma dizer que é ele meu esquizoanalista. Neste dia, me propõe desenvolver um trabalho com ele, oferecendo-me um presente e um tema: um LP com a ópera Lulu, de Alban Berg, e a sugestão de comparar o grito de morte de Lulu, personagem principal dessa obra, ao de Maria, personagem de Wozzeck, outra ópera do mesmo compositor. A Lulu de Berg, já impregnada da imagem de Louise Brooks, que a protagoniza no belo filme de Pabst, é uma mulher exuberante e sedutora, atraída por muitas espécies de mundos com os quais tende a se envolver, em uma vida de deriva experimental. Em uma dessas aventuras, sua vitalidade sofre o impacto de forças reativas que a levam a se retirar do país. No frio miserável de uma noite de Natal na cidade de seu exílio, Lulu vai às ruas fazer algum dinheiro. No anonimato do michê, ela encontra nada mais nada menos do que Jack, o estripador, o qual irá inexoravelmente assassiná-la. Ao antever a própria morte na imagem de seu rosto refletida na lâmina da faca que o assassino aponta em sua direção, Lulu emite um grito dilacerante. O timbre de sua voz tem uma estranha força que sidera Jack a tal ponto que, por alguns segundos, ele hesita. Também nós somos atingidos por essa força: arrebatados, sentimos vibrar em nosso corpo a dor de uma vigorosa vida que não quer morrer. J

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