Berlim, 1921, Maria & Raif
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Quando Calafato cita Maria & Raif, muitos leitores brasileiros podem não reconhecer a referência – os personagens, contudo, são um casal emblemático da literatura turca do século 20; Madona com casaco de pele, de Sabahattin Ali, ignorado em sua publicação, 1943, e nas décadas seguintes, se tornou um fenômeno de vendas (com prestígio ascendente) no século 21.
Há em Madona com casaco de pele dois narradores: um colega de escritório que apresenta o tradutor Raif (em Ancara, moribundo); e, no resto do romance, com o frágil artifício de um caderno, lido pelo colega que logo desaparece, o próprio Raif (um Raif de 1933, pretérito, rememorando um Raif de 1921, 1922, em Berlim, na juventude).
Mas seria o Raif do caderno um narrador honesto? O material tem ares de ficção: cenários minuciosos, longas e elaboradas falas reproduzidas, digressões; e é implausível que, como se declara, tivesse sido formulado em 24 horas: sob o impacto de um choque, para devassar os bastidores de uma paixão de outrora.
“A vida é um jogo que se joga somente uma vez, e eu perdi.”
O romance, apesar de problemático em seus aspectos estruturais (com cadência inconsistente, com situações que se atropelam, com imprecisões), é arrebatador na composição de seus personagens principais: no autorretrato de Raif e no retrato de Maria, transbordando emoções e contradições – humano e, simultaneamente, hiperbólico.






