“Ar-reverso”, de Paul Celan, e outros lançamentos literários

“Ar-reverso”, de Paul Celan, e outros lançamentos literários

 

[ficção]

Segundo livro que a editora publica do poeta romeno, e penúltimo que Celan publicou em vida, Ar-reverso é considerado pelo próprio autor como “a coisa mais densa que já escrevi, e também a mais inapreensível”, como revelou em carta à esposa, a artista Gisèle Celan-Lestrange. Escrito entre 1963 e 1965, enquanto o autor estava internado para tratamentos psiquiátricos, o livro aprofunda seu projeto estético que sondava o emudecimento do poema. Como escrevem Susana Kampff Lages e Raquel Abi-Sâmara, na orelha da obra, ao longo de seus 80 poemas entramos em contato com as linhas mais significativas da poesia de Celan: “o gesto ao mesmo tempo disruptivo e iterativo do testemunho poético, com suas quebras e decomposições ab-ruptas de palavras, seu remontar às origens (latinas, hebraicas, geológicas, traumáticas), sua mescla de línguas e sua condensação e fragmentação poéticas progressivas, aliadas a uma sonoridade radicalmente atonal e a uma imagética enigmática e audaciosa”.

Considerado o romance mais experimental da autora, As ondas traz monólogos de seis personagens: Bernard, Jinny, Louis, Neville, Rhoda e Susan. O leitor acompanha suas vidas da infância à velhice, mas não há um tempo ou local definidos que lastreiam os acontecimentos na realidade. Entremeadas aos discursos das personagens, algumas descrições em terceira pessoa trazem a imagem de uma costa em diferentes momentos do dia, do nascer ao pôr do sol. Para Tomaz Tadeu, que assina a tradução, trata-se, sem dúvidas, do “melhor e mais sofisticado romance de Virginia”. Leonardo Woolf, marido da escritora, registrou a mesma impressão em 1931, quando o livro foi publicado: “É uma obra-prima. E o melhor de seus livros. As primeiras 100 páginas são extremamente difíceis, & é duvidoso que um leitor comum vá muito longe”, como lemos nos diários deixados pela autora.

Última obra do escritor austríaco, que passou os anos finais de sua vida no Brasil, O livro do xadrez aproxima o jogo de tabuleiro da experiência de guerra e confinamento. Embarcado em um navio que vai de Nova York a Buenos Aires, o narrador descobre entre os passageiros um famoso campeão mundial de xadrez, Mirko Czentovic, que vence todos os desafios dos viajantes. Dr. B, uma personagem misteriosa, faz então seu desafio e, mesmo sem nunca ter encostado em um tabuleiro antes, consegue ganhar de Czentovic. Suas habilidades, como se revela em flashbacks, advêm de um período em que foi preso e torturado por nazistas, e tinha como único escape um velho manual de xadrez. Escrita entre 1938 e 1941, quando Zweig já estava exilado no Brasil, a novela foi publicada apenas em 1944, dois anos após o suicídio do autor.

Originalmente publicado em 2015, o romance aborda a trajetória de Emanuel, jovem de 16 anos que, diante do adoecimento da mãe, revisita suas memórias para desvendar um passado envolto em mentiras e ilusões referentes à identidade do pai. Através dessas recordações, trazidas por sua tia, trilhamos o passado da família, ligada aos horrores da guerra, à fuga da aldeia e do país e à reconstrução familiar em novo solo pátrio. Vencedor do Prêmio AGES e finalista do Prêmio Açorianos e Prêmio São Paulo de Literatura, o romance “mostra a memória tanto como bálsamo quanto como veneno, revela o amor como um jogo de neblina e de espelhos e trata a vida como uma longa história repleta de reticências e de pontas soltas”, nas palavras do escritor Gustavo Melo Czekster.


[não ficção]

Reunião de 23 ensaios publicados pelo filósofo italiano no último ano a respeito da pandemia de Covid-19. Os textos têm como fio condutor a reflexão sobre as consequências éticas e políticas da pandemia, bem como “a transformação dos paradigmas políticos que as medidas de exceção estavam desenhando”. Na perspectiva de Agamben, a reformulação dos governos com a crise sanitária aponta para um inexorável declínio que as formas de governar já vinham enfrentando antes da pandemia. A instauração do “terror sanitário” e de uma “espécie de religião da saúde”, para o autor, serviriam ao estado de exceção e à supressão dos direitos constitucionais. Agamben denomina de biossegurança esse novo dispositivo: “provavelmente o mais eficaz que a história do Ocidente conheceu até agora”, pois “a experiência mostrou que, uma vez que esteja em questão uma ameaça à saúde, os homens parecem dispostos a aceitar limitações da liberdade que jamais tínhamos sonhado poder tolerar”.

No 10º volume da “Biblioteca Lukács”, da editora Boitempo, estão publicados cinco ensaios do pensador húngaro sobre a obra de Johann Wolfgang von Goethe. Escritos durante a década de 1930, são textos que abordam a trajetória do autor de Fausto, comparando-a com a de seus contemporâneos, para pensar na dimensão do romance moderno e no seu conteúdo progressista. Os dois primeiros ensaios tratam de obras específicas de Goethe: Os sofrimentos do jovem Werther e Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. O terceiro debruça-se sobre a correspondência entre o autor e Schiller, que tem sua teoria da literatura moderna esmiuçada no quarto ensaio. No último, a produção de Goethe é analisada à luz do Hipérion de Hölderlin. Como ressalta Ronaldo Vielmi Fortes, no texto de orelha da obra, as análises de Lukács aparecem em um momento em que, tanto na Alemanha como na União Soviética, Goethe era rebaixado a um mero representante do romantismo, quando, para o filósofo húngaro, expressava-se em sua obra a força do Iluminismo alemão.

A responsabilidade do Estado, e das instituições jurídicas, diante da alta letalidade das ações policiais é a questão investigada na obra. A partir de um caso real – o assassinato de suas pessoas em uma abordagem policial -, que a autora acompanhou em seus desdobramentos, observando seus processos e tramitações judiciais, Poliana da Silva expõe a lógica que estrutura e permite a blindagem das polícias militares. O livro originou-se de sua pesquisa de mestrado em Direito na Fundação Getúlio Vargas, e intersecciona os campos do direito, ciências sociais, ativismo e luta antirracista. Ao abordar práticas consolidadas no país, a obra aponta para diversos aspectos que envolvem a letalidade policial que, no geral, são ignorados e invisibilizados pela sociedade.

Os quatro ensaios reunidos no livro abordam o Programa Minimalista, uma das principais linhas de pesquisa da gramática gerativa elaborada por Noam Chomsky, para situar a teoria linguística nas ciências cognitivas mais amplas. Para isso, situa o arcabouço teórico minimalista – princípios e parâmetros, economia de derivação e representação etc. – para abordar a gramática universal e sua apreensão das variações linguísticas. Dentro desse sistema, articulam-se dois tipos de desempenho: articulatório-perceptivo e conceitual-intencional. Para a gramática gerativa, todas as condições sintáticas expressam propriedades referentes a esses dois tipos de sistemas, cumprindo os requisitos interpretativos da linguagem e configurando a restrição dos recursos conceituais.

 


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