Aos amigos, tudo. A Lula, nem mesmo a lei
O ex-presidente Lula, que teve pedido de habeas corpus julgado nesta quarta (4) (Foto Ricardo Stuckert/ Instituto Lula)
Já era madrugada quando, em uma de suas sessões de julgamento mais longas, o Supremo Tribunal Federal finalmente proclamou o placar de 6 votos contra 5 para não acolher o pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula.
A apertada – e tensa – votação, que se arrastou por mais de 10 horas, deixou evidente que não era apenas um simples pedido de liberdade que estava em jogo em plenário. No banco dos réus, estava o próprio STF, a falta de segurança jurídica de suas decisões casuísticas e sua agenda de sucessivas intervenções atabalhoadas no sistema político.
É verdade que o efeito mais imediato da decisão será a iminente prisão de Lula, que deverá ocorrer nos próximos dias. O impacto do encarceramento, em condições tão controversas, do mais popular presidente e de uma das maiores lideranças políticas da história brasileira ainda é imprevisível.
A reação, dentro e fora do país, será amplificada nos próximos dias, sobretudo considerando que a decisão do STF acaba afetando, diretamente, o jogo eleitoral de 2018, já que Lula segue liderando as pesquisas de opinião. Assim, é improvável que tal acontecimento ajude a solucionar a crise que se intensificou desde 2016.
De qualquer maneira, o que o STF fez, no dia de ontem, foi reescrever sem pudor o texto constitucional, por uma maioria apertada, em uma decisão casuística e frágil, que só foi possível graças a uma manobra ardilosa da presidente da Corte, a Ministra Carmen Lúcia. E a uma ameaça de um general do Exército.
Isso porque a discussão jurídica de fundo era qual a interpretação mais fiel e adequada ao art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, assim redigido: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Ora, o texto é cristalino e expresso no sentido de que uma pessoa só pode ser culpada após o trânsito em julgado da condenação, ou seja, quando esgotados todos os recursos previstos em lei. Essa garantia, expressamente prevista na Constituição e repetida em diversos outros diplomas normativos, estabelece o valoroso princípio da presunção da inocência.
De acordo com esse princípio, tal como positivado no Direito brasileiro, a execução da pena só pode ter início com o esgotamento de todos os graus de jurisdição. Contudo, sob argumento de que nosso sistema processual é lento e com excesso de recursos que protelam uma decisão final e que consagram a impunidade, o STF, embalado pelo populismo punitivista em voga, reafirmou, no caso concreto de Lula, que a condenação penal em segunda instância já seria suficiente para iniciar a execução da pena.
Esse entendimento, flagrantemente ilegal, não é novo. Ele remonta à posição tomada, também por 6 votos a 5, em 2016. Ou seja, o STF vem mudando de posição quanto ao tema a depender da composição da Corte e da oscilações de entendimento dos Ministros.
O mais grave é que já estava anunciado que, caso o tema fosse pautado novamente por meio de duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) que estão aguardando julgamento, haveria nova mudança de posição do plenário de modo a fazer prevalecer, novamente, a tese de que somente após o trânsito em julgado é que inicia a execução da pena.
Em vez de a Ministra Carmen Lúcia colocar em pauta essas duas ações que discutem de modo abstrato e geral a tese jurídica de fundo, ou seja, com efeito para todos os casos, ela preferiu colocar primeiro o pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula. Ao fazer isso, conhecendo-se a postura da Ministra Rosa Weber no sentido de que aos casos individuais é preciso manter o entendimento do colegiado já proferido nos casos gerais, ela garantiu a não concessão do habeas corpus como resultado final do julgamento de ontem.
Daí poder-se afirmar que foi uma manobra ardilosa, denunciada inclusive pelo relator das ADCs, o Ministro Marco Aurélio Mello, no plenário. A presidente do STF usou de sua prerrogativa para definir a pauta de votação de modo a impor um resultado desfavorável a Lula e que será mudado em breve, pois quando as ADCs forem pautadas, vai prevalecer o entendimento de que não se pode executar a pena antes da trânsito em julgado conforme anunciou a própria Ministra Weber.
Em outros termos, a severidade contra Lula não será a mesma a ser aplicada contra outros grandes políticos de outros partidos nos casos de corrupção. Mais uma vez, resta escancarada a seletividade político-partidária de um Judiciário cada vez mais desgastado que pune alguns, mas poupa outros.
Dilma foi vítima de um golpe embalado pelo lema “primeiro tiramos a Dilma, depois tiramos os outros”. Ela saiu, ficou Temer inundado na corrupção. Lula, agora, vai ser preso com o mesmo lema “primeiro prendemos o Lula, depois prendemos os outros”. Ele vai para a cadeia e, logo depois, o entendimento é mudado para não se aplicar aos demais políticos. No entanto, no país da indignação seletiva e do antipetismo raivoso, já está claro que nunca chegará a vez desses “outros”. A Justiça mostra, sem pudores, sua parcialidade.
Lula já havia sido vítima de um procedimento análogo, quando foi impedido de ser nomeado ministro de Dilma, sendo que a mesma regra não valeu para Moreira Franco e nem para Romero Jucá, ambos réus em ações penais. Aécio também foi poupado e teve seu mandato de senador mantido, ao contrário de outros casos em que o STF cassou o mandato parlamentar, como o de Eduardo Cunha.
Contra Temer e Aécio, há gravações telefônicas, malas de dinheiro e diversas outras provas. Seguem, entretanto, impunes e ocupando altos postos da República. No caso de Lula, sem que haja provas consistentes em um processo que começou com a acusação de uma risível apresentação de powerpoint, a prisão é decretada de modo a impedi-lo de concorrer nas eleições.
É duro vivermos agora, de modo tão escancarado, o segundo momento fundamental do golpe parlamentar e judicial de 2016. A mensagem, para o campo popular, é simples: não adianta ganhar eleição porque fazemos “impeachment”; tampouco adianta disputar eleição porque declaramos a inelegibilidade de quem quisermos.
A democracia no Brasil está longe de ser um mal-entendido, é pura fraude e manipulação acordada entre elites. Com o STF, o empresariado, o general e tudo.
(3) Comentários
Obrigada por escrever essa nota de fatos que vimos ao vivo e a cores ser jogado na face de todos os brasileiros! O Ministro Narco Aurélio expos a tramoia da Carmem Lúcia com todas as letras e a resposta para ele “ é minha prerrogativa a pauta!Claro.ja esta decidido.que para ser preso o Estado que julga deve ter provado a culpa do réu!!!!!!
Zilda, quanta bobagem… há uma decisão recente do STF para que réus cumpram pena a partir da condenação em segunda instância! Lula é um réu como outro qualquer, tal fato denomina-se “igualdade jurídica”. Respeito a discordância, mas é preciso ter clareza sobre os fatos.
Elites, essas elites são terríveis! Quando esse discurso insensato irá parar? Mude a fita, mude o discurso, mude o jeito de se olhar como vítima, mude esse pensamento partidarista, mude o tom da voz, mude para somar e não subtrair. Quer defender uma ideologia, ótimo! Mas não defenda a corrupção. Cite todos, mas não exclua quem rouba, pois ninguém alí, digo nessa política, nesses sucessivos governos, é santo. Todos almejam o poder, almejam controle, almejam tudo menos o coletivo. Dos azuis ao vermelhos, dos que voiciferam e dos que se calam. Não, não defenda o indefensável. Sugira ideias novas, práticas coletivas, governanças ajustadas ao ideal coletivo, mas não venha com esse discurso de que esse e aquele estão unidos para prejudicar aquele e aquela. Menos, por favor. Isso não constrói nada, apenas alimenta ideologias que se tornarão pensamentos radicais nas mentes fracas que não conseguem olhar para além do que é velho. Sugira, e mostre para todos que é assim que se faz a coisa certa. O dedo em riste gera apenas opiniões dualistas e, quase sempre. descontextualizadas. Poupe saliva para acusar e use-a para promover ideias que melhorem o que está ruim . E que está ruim, isso todos sabemos, onde está ruim, também sabemos, O bem não é privilégio de um lado só. Todos culpados, todos, inclusive eu e você.