Melhor governar com ou sem o PMDB?

Melhor governar com ou sem o PMDB?

O vice-presidente Michel Temer (Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil)

A aliança com o PMDB, com as concessões e negociatas aí implicadas, é vista como um imperativo incontornável da política institucional brasileira. Pelo menos até agora.

Desde a transição democrática, especialmente desde a reforma partidária de 1979, o PMDB vai, progressivamente, afirmando-se como um polo de articulação central do sistema político, congregando oligarquias locais e lideranças nacionais articuladas em uma constelação bastante singular no jogo do clientelismo comparativamente aos demais partidos.

Desde o “Centrão” na Assembleia Nacional Constituinte, passando pela construção da chamada “governabilidade” do PSDB e do PT, o PMDB ocupou um espaço cada vez mais relevante, ao menos no imaginário político nacional. Mais do que ser efetivamente necessário, ele conseguiu parecer necessário para os sucessivos governos.

Qualquer crítica ao PMDB, assim, ganhava sempre a resposta pronta e acabada com ares de ameaça: como governar sem o PMDB? Este, assim, tem sido representado – e se tem representado – como um mal necessário, como o custo político da construção de uma maioria parlamentar para qualquer governo, fosse ele de direita ou de esquerda. O efeito colateral da estabilidade, portanto, seria a aliança com o PMDB.

Contudo, com o progressivo afastamento de setores cada vez mais importantes do PMDB do governo Dilma, materializado na afronta aberta de Eduardo Cunha, ou no cinismo desafiador de Michel Temer, a questão que se coloca com maior contundência passa a ser: como se pode governar junto com o PMDB em uma coalizão?

Hoje, a já conturbada conjuntura política recebeu um novo ingrediente que aprofunda a crise institucional do governo em momento crítico de trâmite do pedido de impeachment: em carta supostamente “pessoal”, com tom de “desabafo”, o vice-presidente Michel Temer traçou 11 pontos que demonstrariam a falta de confiança da presidenta Dilma em relação ao seu vice.

A carta pode ser assim resumida: um misto de proclamação de lealdade absoluta não devidamente reconhecida, de ressentimento pessoal, de sanha por cargos, de tensionamento político orientado para a ruptura e de cinismo materializado na atribuição da culpa pelo rompimento iminente à presidente e não a uma decisão de conveniência do vice e do seu partido. Sequer a coragem de declarar e assumir o ato decisório de desembarque aparece na missiva.

Trata-se, este documento público que era “pessoal” e que foi vazado obviamente pelo autor para todas as grandes redações e órgãos de mídia do país, do maior atestado passado por escrito da única motivação política que anima o PMDB: a vontade de nomeações, de capital político e de fatias do orçamento público.

Depois dessa carta, resta claro que o PMDB tem enorme capacidade de unificar-se apesar de toda a heterogeneidade que marca esse partido. O governo errou, gravemente, ao tentar dividi-lo, crendo na existência de um PMBD “do bem” em contraposição a um “PMDB do mal”.

Michel Temer e Eduardo Cunha são duas faces do mesmo projeto político insaciável peemedebista. Quanto mais ganham, mais querem e mais exigem. O primeiro com seu estilo mais “discreto” e “reservado” distanciou-se de Dilma passando a imagem de um coitado injustiçado; o segundo, mais “beligerante” e “desafiador”, diferenciou-se do governo comprando a briga abertamente depois de uma chantagem odiosa. Ambos, juntos, agora podem selar o golpe do impeachment contra o governo se articulados com a oposição. Lembrando que Temer conseguiu o feito notável de unificar o apoio dos três mosqueteiros tucanos: Serra, Aécio e Geraldo.

Uma resposta à altura de Dilma não pode ser uma mera carta.  O PT comandou por 10 anos o bloco de governo com o PMDB e perdeu a chance histórica de fazer uma reforma política que enfraquecesse a onipresença peemedebista no sistema político. Ao contrário: agora amarga o fortalecimento desse partido que ajudou a empoderar.

Chegou a hora em que o PMDB não aceita mais ser o sócio minoritário desse empreendimento. Enquanto havia recursos para emendas, bonança econômica, alta popularidade, o PMDB se colou ao governo. Nessa crise, o cálculo da saída mais vantajosa passa pelo voo solo.

Se a instauração do processo de impeachment foi importante para eliminar as possibilidades de qualquer composição com Eduardo Cunha, que esta carta convença o governo da importância de buscar o apoio nos movimentos sociais e nas ruas que garantiram sua vitória – apertada – nas eleições.

Cada vez menos essa alternativa parece factível considerando as limitações e escolhas desse governo. Mas, se não for por aí, os governos petistas deixarão como um de seus maiores legados um sistema político mais conservador e com maior espaço para as forças da direita.

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