A Era da Ansiedade

A Era da Ansiedade

A Era da Ansiedade de W. H. Auden

Enquanto esperava ser servido, QUANT se olhou novamente no espelho do bar, num relance, e pensou:

O ingênuo George chegou ao fim da jornada
Trucidado por um tira dentro de um mictório,
Dan caiu morto em sua mesa de jantar de repente,
A senhora O’Malley e a senhorita De Young
Afastaram-se juntas para lugares ermos,
Onde cães do deserto reduziram as duas
À condição de ossos dispersos, e você parece assustado,
Caro amigo de amigo, ao me encarar agora.
Como está capenga e acabado, como para indeciso
Na encruzilhada feito um sapo, você antes meu distante
Príncipe primaveril e aqui um reles passageiro
A se encolher na barraca. Que trunfos agora aclamam
Suas velhacarias? Ante seus ossos se ajoelhe,
Agarre-se aos engasgos da tosse. Seu castelo ruiu.
Chove, se você correr, e, se ficar, enferruja.
Zele pela minha fraqueza. O pior está por vir.
Os Anjinhos Azuis terão de soprar suas cornetas mais alto
E por mais tempo ainda, porque as ovelhas desgarradas
Estão comendo plantas venenosas. Mas não importa…

MALIN voltou e QUANT trouxe drinks para a mesa outra vez. Depois, erguendo seu copo para ROSETTA, QUANT disse:

Venha, ó ninfa peregrina, nos mostrar o calor
Desses flancos eufóricos em toda a glória
De sua vida liberal; cante em suaves
Tons deleitosos os dados mais amenos
De um universo inflexível, juventude, dinheiro,
Amor e álcool; delicie seus pastores,
Nós que viemos como loucos e embrutecidos iremos
A cambalear por aí; há um silêncio branco
De instrumentos e antissépticos
Nas extremidades, mas no meio há um bla-bla-blá
E com certeza um pouco de vergonha. Mostre-nos a via
De esperança e saúde; dê a cada um o passe
Requerido para apaziguar no alto os arcontes.
Seja um bom guia para nós.

Ao que ROSETTA respondeu:
Que poder de ir à frente
A mim foi dado para que eu me encarregue
De uma expedição que qualquer um
Pode integrar ou sugerir? Para a jornada para casa,
A que nos leva por estradas já conhecidas
A lugares e sons percebidos antes,
O conhecimento necessário não é nada extraordinário,
É essencial apenas uma intranquilidade triste
De que vida alguma carece.  […]

Como todos sabem, muitas pessoas revelam num estado de semi-intoxicação capacidades que estão bem além delas quando se acham sóbrias: os tímidos falam com facilidade e brilhantismo a totais estranhos, os gagos enveredam por frases complicadas sem titubear um instante, o não atlético se transforma em corredor ou em levantador de pesos, o prosaico demonstra intuitiva apreensão de mito e símbolo. Fenômeno menos notado e mais significativo, no entanto, é o modo como nossa fé na existência de outras pessoas, normalmente meio cambaleantes, é aumentada em muito e recebe, talvez precisamente porque a dúvida, dessa vez, foi dominada por completo, as justificações mais espantosas. Pois pode acontecer, caso as circunstâncias sejam de todo propícias, que membros de um grupo nesse estado estabeleçam uma relação onde a comunicação de pensamentos e sentimentos é tão instantânea e acurada, que eles parecem funcionar como um único organismo.

Assim foi agora, quando eles procuravam aquele estado de felicidade pré-histórica que os seres humanos só conseguem imaginar em termos de uma paisagem que tenha alguma semelhança simbólica com o corpo humano. Quanto mais completamente esses quatro se esqueciam do ambiente ao redor e perdiam sua noção de tempo, mais sensíveis e conscientes uns dos outros eles se tornavam, até realizarem em seu sonho essa rara comunhão que de outro modo só se atinge em estados de vigília extrema. Mas isso não aconteceu de repente.

Trecho traduzido por Leonardo Fróes

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