“As vinte mil léguas de Charles Darwin” e outros lançamentos
Com a proposta de ler obras científicas como textos literários, as escritoras e roteiristas Leda Cartum e Sofia Nestrovski narram a trajetória do naturalista britânico Charles Darwin até a concepção de sua célebre A origem das espécies. Olhar para Darwin como um escritor implica, como esclarecem as autoras, buscar as influências que sua escrita evoca; perceber o tom de sua prosa; e o modo como seu livro se inseriu na cultura literária de sua época. Dividido em cinco capítulos, a obra conta ainda com ilustrações e trechos de cartas e dos livros de Darwin, além de entrevista com o professor de filosofia da USP Pedro Paulo Pimenta, tradutor de A origem das espécies, e Maria Isabel Landim, professora e curadora do Museu de Zoologia da USP. O livro teve origem no podcast de divulgação científica Vinte mil léguas (Quatro Cinco Um e livraria Megafauna), mas amplia o roteiro original e traz trechos inéditos que foram suprimidos da versão em áudio.
Análise do percurso artístico e existencial de Arthur Bispo do Rosario (1909-1989), artista sergipano que passou 50 anos recluso em asilos psiquiátricos. Nascido em Japaratuba, Bispo do Rosario mudou-se para o Rio de Janeiro aos 16 anos, onde trabalhou na Marinha de Guerra e na Companhia de Energia Elétrica Light. Em finais da década de 1930, foi encontrado vagando pelo centro da cidade em um surto psicótico, quando foi retido na Colônia Juliano Moreira, onde a poeta Stela do Patrocínio passou parte de sua vida. Lá produziu suas famosas obras a partir de sucatas e objetos encontrados no lixo, como seus bordados sobre madeira, estandartes, jaquetas e o Manto da apresentação. Após sua morte, tais obras foram apreciadas e expostas como arte contemporânea, à revelia das condições e intenções de produção de Bispo do Rosario. Sobre tal questão debruça-se a pesquisadora Solange de Oliveira, recorrendo à teoria da arte, à fenomenologia e à biografia do artista para refletir sobre essa arte impensada, por um fio. “Ainda que essa passagem pela cultura possa ter interferido conceitualmente no campo aberto pela invenção do artista, sem essa mediação, pode-se perguntar: teria ela encontrado outro destino para sobreviver como arte?”, questiona-se João Frayze-Pereira sobre a obra de Bispo do Rosario.
Coletânea de histórias fantásticas originárias do folclore chinês, escritas no século 18 pelo escritor Pu Songling, um dos responsáveis por estabelecer o gênero do conto na China. Com organização de Yao Feng, a edição apresenta ao leitor brasileiro 55 contos, entre as 490 narrativas sobrenaturais que Pu Songling concluiu em 1679, com acréscimos em 1707. Apesar de se inspirar nas lendas populares chinesas, o autor não deixou de introduzir sua perspectiva e sua imaginação, criando novos personagens e interpretações para narrativas clássicas. Construir um mundo de fantasia, como esclarece o organizador na introdução, era a forma de Pu Songling “realizar o que ele sonha possuir na vida real”. Sua escrita também foi fortemente influenciada pelos acontecimentos políticos da China do século 18. No momento de turbulência e violência durante a transição da dinastia Ming para a dinastia Qing, “o escritor não ficou de braços cruzados e expressou o seu descontentamento através da sua escrita satírica e metafórica”, escreve Yao Feng.
Coletânea de 20 contos do escritor paulistano Alex Xavier. Formado em jornalismo, o autor já atuou nas redações da Veja São Paulo e O Estado de São Paulo – vivências que inspiraram histórias e personagens de seus contos ficcionais. Como o próprio autor anuncia na introdução ao volume, nessa época de realidade absurda e fake news, o desafio aos leitores é “separar os fatos e as minhas invencionices”. O escritor Ronaldo Bressane, na orelha da obra, também registra os jogos e inversões entre realidade e ficção nos contos de Alex Xavier: “Em cada conto deste livro, AX foi pautado para um perfil, uma crítica, uma matéria. Porém, o que os sapatos gastos do repórter trouxeram para você não cabe em nenhum veículo de imprensa. Imaginação fervilhante, estilo sagaz e ironia fina; sustos, risadas, eventualmente lágrimas. Narrativas breves que olham a notícia pelo avesso, bordadas com tanta criatividade que nenhum manual de redação aprovaria”.
Aos três anos, um menino perde o pai, vítima de uma fatalidade. Seis anos depois, às vésperas de uma apresentação de dia dos pais na escola, o garoto, envergonhado por não ter um pai, escreve uma carta para o progenitor inexistente, descrevendo como está sua vida naquele momento. Esse é o ponto de partida do romance de estreia de Thiago Souza de Souza, jornalista nascido em Porto Alegre. A partir dessa primeira experiência, o jovem passa a escrever muitas cartas para o pai morto, revelando-lhe as principais questões de sua vida: a elaboração do luto, as agruras do amadurecimento, a construção da masculinidade, a convivência com a ausência. Obcecado pela ideia, o protagonista do romance passa a escrever também as respostas do pai, até começar, aos 20 anos, a frequentar um psiquiatra para entender e abandonar as epístolas fantasmas. Para Daniel Galera, que assina o texto de quarta capa, “as teias de dor e intimidade que entrelaçam esse filho e seu pai agarram o leitor pelo coração, mas também pelo intelecto, nos convidando a decifrar nosso próprio mundo de perdas”.