Livros: Frantz Fanon, Stênio Gardel, Elódia Xavier e mais
[não-ficção]
Reunião de artigos, ensaios e cartas do psiquiatra, filósofo e militante pela independência dos países africanos. Escritos entre 1951 e 1961, período mais produtivo da produção teórica de Fanon, os textos dissecam a situação do colonizado e o racismo – e propõem discussões sobre o panafricanismo, a negritude e a atitude da esquerda francesa na Guerra da Argélia. Nascido nas Antilhas, o autor atuou como médico na África e integrou a Frente Nacional de Libertação da Argélia.
Com o subtítulo “A presença do racismo nos relacionamentos inter-raciais”, a autora – jornalista, feminista e ativista do movimento negro – apresenta entrevistas com três mulheres e dois homens acerca das dificuldades enfrentadas por corpos racializados que se relacionam amorosamente com aqueles que não são. Os depoimentos são entremeados por reflexões da autora.
Mouline, nascido na Venezuela e hoje professor aposentado da Universidade de Munique (Alemanha), expõe as principais concepções e abordagens da filosofia da ciência. Mouline distingue cinco fases no período referido no título: a germinação da disciplina, sua eclosão com o Círculo de Viena, a fase clássica, a historicista e a modelista, que continua atualmente. Tradução Cláudio Abreu.
Reedição de um dos livros de referência para os estudos de gênero na literatura brasileira e a crítica literária feminista. Além das escritoras analisadas na primeira edição – entre elas Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Marilene Felinto –, o volume traz dois estudos inéditos sobre Ana Maria Machado e Alina Paim. A autora é professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[ficção]
Entre o drama e a tragédia, nessa sucinta peça de teatro desenvolve-se um diálogo entre a psicanalista Beatriz e um fascista. Este é um retrato debochado de Bolsonaro: uma personagem que escancara seu autoritarismo e preconceitos e recalca um passado mal-resolvido, com um pai autoritário e lembranças de relações sexuais com os colegas de quartel. Defronte dele, Beatriz transita entre o tom professoral e a ironia. Primeiro o vê como uma figura tosca e inofensiva, depois sente pena, até chegar ao medo. Na personagem da psicanalista, como escrevem os autores, esboça-se “a fragilidade da consciência e a ingenuidade do intelectual diante do fascismo e seu esforço de resistência”.
Uma carta que aguarda 53 anos para ser lida é o mote do livro. O protagonista, Raimundo Gaudêncio de Freitas, recebeu-a quando jovem de seu primeiro amante, Cícero. Aos 71 anos, enquanto alfabetiza-se para decifrar as derradeiras palavras de Cícero, relembra o passado envolto em um círculo de violência e preconceito — as surras do pai, o sentimento de pecado, o medo, o gozo envergonhado nos cines pornôs —, mas também de alegrias: as viagens pelo Brasil como chapa (ajudante de caminhoneiro), a amizade com a trans Suzzanný, a redescoberta de possíveis laços afetivos alheios à opinião pública. Em seu romance de estreia, Stênio Gardel faz confluir a primeira e a terceira pessoa, as lembranças e o tempo presente, colocando a palavra, escrita e falada, como fator fundamental para o protagonista compreender a si e a seu passado.
Reunindo 25 poetas de todo o país, o dossiê Poesia hoje: negra traça um panorama da poesia feita por gente preta no Brasil contemporâneo. O foco, como explica o curador e poeta Ricardo Aleixo, foi trazer nomes menos conhecidos do público geral. O título do livro é “sinalização de que o que se enuncia, no triste Brasil que rotiniza o genocídio da população negra, é, também, a disputa pelo direito à palavra, à livre expressão, à linguagem”. Através dos diversos estilos e linguagens dos poetas, perpassa uma escrita em legítima defesa, “para fugir do que tem como programa e projeto nos aprisionar, inviabilizar, desumanizar, calar, matar”. Criado em 2020, o projeto P-O-E-S-I-A, cuja parceria com a Unicamp trouxe a lume o dossiê, concede bolsas e auxílios a poetas em vulnerabilidade social. Todo o dossiê está disponível gratuitamente no site do projeto (p-o-e-s-i-a.org).
Com cinco crônicas e uma introdução ao almanaque humorístico O trocista, o leitor é aqui apresentado a uma face pouco conhecida de Dostoiévski: o de jornalista de carreira. Redigidos entre 1845 e 47 — momento no qual encontrava-se em crise pelas dificuldades financeiras e as críticas ao seu romance O duplo —, nesses folhetins deparamos com um Dostoiévski flâneur, observando as mudanças de São Petersburgo e tomando sua cidade como protagonista das histórias. Do final do inverno à chegada do verão, o escritor registra o caos da metrópole, seus habitantes, suas construções incongruentes e a agitação urbana. Como escreve Fátima Bianchi, que assina a tradução e a introdução, nesses textos encontram-se elementos fundamentais para entender a prática de escritor de Dostoiévski, constituindo-se como “sua primeira tentativa de ordenar as experiências interiores em forma artística”.