Volume final da trilogia biográfica de Kafka desconstrói mitos sobre o autor
Franz Kafka não era um escritor neurótico, recluso ou marcado unicamente pelo relacionamento difícil que mantinha com o pai, um comerciante chamado Hermann. As conclusões estão no volume final da trilogia biográfica do autor, Kafka: The yearly years (Princeton University Press), originalmente publicado em 2013 e recentemente traduzido para o inglês.
A obra, que completa o trabalho de duas décadas empreendido pelo autor alemão Reiner Stach, cobre os primeiros vinte e sete anos da vida de Kafka, nascido em Praga no ano de 1883 em uma família de judeus de classe média. Já no prefácio, a tradutora Shelley Frisch avisa: “Os leitores desta obra verão os mitos sobre Kafka explodir”.
Entre eles, segundo Frisch, está a ideia de que o autor de A Metaformose e O Processo teria sido um homem alienado da vida cotidiana, algo que seu trabalho como funcionário de uma companhia de seguros de saúde não permitiria, por exemplo.
Em outras passagens, Stach mostra que uma das primeiras experiências sentimentais de Kafka foi a solidão – uma vez que os pais passavam doze horas por dia trabalhando na loja da família –, e não a humilhação a que Hermann o submetia constantemente.
A investigação foi feita com base em cartas de família, memórias de colegas do colégio e diários do amigo e testamenteiro Max Brod. O difícil acesso a esses diários, que revelavam especialmente fatos sobre os anos de formação de Kafka, foram o principal motivo pela ordem não cronológica de publicação dos volumes.
The decisive years, de 2002, cobre o período de 1910 a 1915, quando algumas de suas principais obras são lançadas, enquanto The years of insight, de 2008, trata dos anos finais da vida de Kafka, do fim do relacionamento com Felice Bauer à sua morte, em 1924.
“Kafka é um autor realista que criou uma nova forma para dar conta de uma nova realidade, pois o mundo havia se tornado tão obscuro, tão insolúvel, que ele deveria fazer uma construção literária para dar conta literariamente daquilo. Então ele inventou um narrador que não sabe, e esse narrador somos nós”, disse Modesto Carone à CULT em 2014, em depoimento publicado no Dossiê Kafka – A literatura como experimentação política e filosófica.
Só agora, quatorze anos depois do primeiro título, serão de fato documentadas as complexas circunstâncias pessoais, políticas e culturais que moldaram o jovem Frank Kafka a se tornar um dos autores que ajudaram a moldar a literatura moderna.
Kafka: The early years
Reiner Stach
Princeton University Press
584 págs. – R$ 115,80