Tá incomodado, branquelo?

Tá incomodado, branquelo?

 

O branquelo aqui tava indo de ônibus pro Rio de Janeiro. Das onze da noite até mais ou menos duas horas da manhã aguentei um “garoto” espernear, espalhar cheetos pelo corredor, escoicear minha poltrona imediatamente à frente dele – não chorou, curioso – teve uma hora que o pequeno Satanás mandou a própria mãe “tomar do cu”, aguentei essa besta-fera infantil guinchar e relinchar até que ele cuspiu na minha cabeça e eu tive que me dirigir educadamente à senhora que o acompanhava (mãe?), e pedir a ela que desse um jeito na situação, que o corrigisse, sei lá, que enfiasse aquele animalzinho na privada química do banheiro e puxasse a descarga.

—- Tá incomodado, branquelo? Põe um fone de ouvido, vai se foder – disse a “mãe” – com um delicioso sotaque carioca.

Eu devia estar acostumado. Faz dez anos que sou usuário da ponte rodoviária Bixiga-Cidade Maravilhosa. No Rio das “áreas de conflito”, o animal anda de peito aberto, e diz o nome aos berros. Uiva, transpira ostensivamente, arma barracos e delimita territórios desde criancinha.

Em São Paulo, ele, o mesmo animal, é mal-encarado e cinzento: incorpora as diferenças apenas pelo ódio.

No Brasil-Guiné crime se corrige com crime, erro com erro, incompetência com mais incompetência, eleição com reeleição, corrupção é antídoto para mais corrupção, ignorância se paga com ignorância redobrada, gentileza, aqui, gera desprezo e zombaria: não gostou tapa os ouvidos, cala a boca e vai se foder, branquelo.

Baile funk se corrige com culto evangélico. Quem grita mais alto prevalece. Barulho se corrige com mais barulho, escárnio com mais escárnio, foda-se e ponto final.

Sinceramente, não sei porque tem gente que ainda se espanta quando constata que o Brasil  não deu certo. O erro está em se espantar, e a constatação é apenas um detalhe irrelevante diante da merda em que estamos metidos. Trocando em miúdos, isso quer dizer que, pasme, temos futuro! Ao contrário do que cogitou Darcy Ribeiro, a “Roma Negra” não vai emergir da mistura, nem virá do caos, mas da má-fé, desde que — creio — seja assimilada sem pudores nem falso moralismo.  Ou seja: a vocação é o negativo, é naufragar. Uma Roma pra baixo.

O foda-se é nosso mantra. E o “vai se foder branquelo” é apenas o pote de ouro no final do arco-íris. Essa merda aqui afundou e prossegue submergindo, as camadas profundas do pré-sal são a realidade do fundo do poço e estão longe de servir como metáfora da nação caranguejo, cavuca, afunda mais, cavuca, afunda, cavuca.

Sim, temos futuro, um futuro no mangue. Sob esse aspecto, o apoio de uma ditadura assassina à Beija Flor devia ser encarado como algo natural, natural como nossa corrupção intrínseca e cromossômica, a falta de água, as mentiras executivas, legislativas e judiciárias, os acertos nos bastidores, a banalização da violência cotidiana, os embustes todos, natural como os implantes nas carecas do Zé Dirceu, do Malafaia e do Renan Calheiros.

Anotem aí: a comoção hipócrita (mais uma) de repúdio ao sanguinário apadrinhamento da Beija Flor vai acabar sendo incorporada ao bestiário geral da nação. Amanhã (hoje…) ninguém mais fala nisso.

Quem sempre salvou o carnaval do carnaval foi o “vai se foder, branquelo” – pois estamos falando da festa da carne, da dispersão dos sentidos, das ruas mijadas, dos estupros coletivos, do vale-tudo, do açougue de celebridades, do Ivetão incorporando Hitler e hipnotizando multidões com gritos de guerra patrocinados pela Ambev, da carne nova sobre a carne morta que pede mais sangue, mais carne, mais beleza, mais globeleza.

Só pra constar. Essa nota aqui vai pras virgens recém-chegadas nesse puteiro macabro chamado Brasil: as escolas de samba desde sempre foram patrocinadas por bicheiros ligados ao narcotráfico e aos esquadrões da morte, até que um dia inventaram a lei Rouanet, renúncia fiscal, captação via estatais e afins. Mudaram apenas as moscas.

Por que essa frescura agora?

—- Tá incomodado? Mete Chopin no último volume, enfia o dedo no cu e peida dégradé, branquelo cuzão.

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