‘Salmo’, de Friedrich Gorenstein
Primeiro livro do russo Friedrich Gorenstein (1932-2002) traduzido no país, Salmo: romance-meditação sobre os quatro flagelos do Senhor (Kalinka) é lançado neste sábado (28), às 11h, na Casa do Saber. No evento, Daniela Mountian, editora da Kalinka, promove uma conversa sobre o autor e a obra com os tradutores Moissei Mountian e Irineu Franco Perpetuo.
Conhecido roteirista de filmes como Solaris (1972), de Andrei Tarkovski, Gorenstein constrói em seu Salmo uma URSS que, em plena ditadura stalinista, assiste a chegada do anticristo. Considerado filho de Deus e irmão de Jesus, a personagem vaga 40 anos sobre a União Soviética e testemunha as transformações históricas pelas quais o país passa. A coletivização das terras dos anos 1930, a fome, a II Guerra Mundial, a invasão nazista, o anti-semitismo pós-guerra, a censura stalinista são alguns dos acontecimentos que o autor reconstrói sob o olhar do anticristo.
“Gorenstein envia o anticristo à Terra em momentos cruciais e traumáticos da História da Rússia”, afirma o tradutor Irineu Franco Perpetuo. “E termina na década de 1970, mostrando um ‘renascimento espiritual’ dos russos em uma chave que associa religião ortodoxa e identidade nacional, no que parece antever, com clarividência assustadora, o coquetel de nacionalismo religioso da Rússia atual de Pútin.”
O romance é dividido em cinco capítulos, que funcionam como parábolas abertas a reflexões filosóficas e religiosas. Cada um representa um dos flagelos divinos – fome, guerra, luxúria e peste – que ilustram a vida soviética entre 1933 e 1973. Nesse sentido, compõe o que Franco Perpetuo denomina um “Evangelho do anticristo”.
“Gorenstein vai buscar passagens do Velho Testamento que profetizariam a vinda do anticristo, e que sua ficção confirma”, explica o tradutor. “Nesse sentido, talvez possamos definir o livro como um anti-evangelho, a respeito do anticristo, escrito por um anti-Dostoiévski. Gorenstein propositadamente aborda os temas que a literatura ‘oficial’ ou ‘consentida’ na URSS de seu tempo jamais poderia abordar.”
Em relação à ligação com Dostoiéviski, Perpetuo aponta para o diálogo contraditório e conflitante que o autor de Salmos estabeleceu com o escritor canônico. ” As grandes digressões filosóficas de Gorenstein ecoam as de Dostoiévski na forma, ao mesmo tempo que chocam com elas no conteúdo, afinal de contas, Gorenstein era judeu, e Dostoiévski, antissemita”, complementa.
Lançamento de ‘Salmo’
Quando: 28 de outubro, às 11h
Onde: Casa do Saber, r. Dr. Mario Ferraz, 414, São Paulo