Ricardo Kotscho: O lugar da reportagem não muda, é na rua

Ricardo Kotscho: O lugar da reportagem não muda, é na rua
O repórter Ricardo Kotscho durante o seminário Jornalismo: As novas configurações do quarto poder (Foto: Joana Teixeira)

 

Equipes reduzidas, demissões em massa, crise do modelo de negócios. São muitas as transformações e incertezas que cercam a prática jornalística. Mas há algo que, para o repórter Ricardo Kotscho, permanece inalterado mesmo no mais pessimistas dos cenários: “O lugar da reportagem não muda, é na rua, e não na redação”. Na profissão há mais de 50 anos, Kotscho participou nesta quinta (16) do seminário Jornalismo: As novas configurações do quarto poder, organizado pela CULT em parceria com o Sesc. Junto com os colegas de profissão Carol Pires e Leonencio Nossa, discutiu o lugar das grandes reportagens, hoje, nas redações. Ainda é possível realizá-las?

“Quando a gente quer fazer, faz. Não tem esse negócio de crise, nenhum editor recusa uma boa matéria. Não há desculpa pra não fazer. Mas aí, mais do que um meio de ganhar a vida, [a reportagem] tem que ser uma opção de vida. Muitos repórteres que conheço têm esse compromisso com a sociedade brasileira – e aqui tem muita história para ser contada, onde quer que você vá. E está faltando gente para contar”, afirmou o repórter, que trabalhou em todos os principais veículos da imprensa brasileira, em jornais, revistas e redes de televisão – com exceção da revista VEJA – tendo exercido todas as funções, de repórter a diretor de redação. “Crise sempre existiu”, disse.

Leonencio Nossa, repórter especial do Estadão, autor de Homens invisíveis (Editora Record), e Mata! (Companhia das Letras), concorda. “Em nenhum momento tivemos uma situação favorável para a produção de grandes reportagens no Brasil. É uma prática marginalizada dentro do mercado da comunicação”, afirmou. Ele ressaltou como a grande reportagem corre paralelamente aos outros trabalhos de apuração do repórter, que raramente consegue se ausentar do dia-a-dia da redação para trabalhar apenas em uma história – o que também vale para os freelancers que, da mesma forma, se dedicam a várias pautas de uma vez só.

“Se você é de um grande jornal, não dá pra dizer para o seu chefe que vai fazer uma grande reportagem, não tem como vendê-la se ela não estiver quase finalizada”, afirmou. “O relógio da reportagem é muito específico e único. Não é o relógio do editor do jornal, do cara que vai comprar o seu frila. É o relógio da história, que tem um tempo de maturação.”

Mesmo que essas histórias sejam contadas de novas formas, em outras plataformas, “a natureza do trabalho do repórter não muda”, afirma Kotscho . “Estamos aqui para ouvir as histórias dos outros. A nossa função como repórter é descobrir um Brasil que não está na mídia, um Brasil que não compra jornal, que é a maioria do povo brasileiro. Como dizia Audálio Dantas, o repórter é quem pergunta.  Mas hoje, o repórter já chega com a pergunta e com a resposta pronta”, criticou.

Carol Pires, ex-repórter da piaui, roteirista do programa Greg News, na HBO, e colaboradora do New York Times en Español, lembrou que, quando viajou ao Uruguai com a tarefa de escrever um perfil do ex-presidente José Mujica, já tinha o tom da história mais ou menos pronto na cabeça. “Imaginei que faria um perfil super engraçado do Mujica: o presidente que anda de fusca e tem uma cachorra de três patas. E não foi nada disso. Mujica é mal humorado, ranzinza. No dia que eu cheguei, a irmã dele tinha morrido. Virou um perfil melancólico, uma história sobre a velhice”, lembrou. “É preciso ter empatia, estar aberto a se surpreender e a quebrar as suas próprias convicções.”

Para ela, o principal erro da imprensa, hoje, é não ter repórteres espalhados por vários cantos do Brasil. “Acho que a imprensa americana aprendeu a lição com a eleição do Trump, de não entender o que estava acontecendo no interior. Espero que a gente não tenha o nosso Trump pra fazer cair a ficha.” O seminário Jornalismo: As novas configurações do quarto poder, iniciativa da Revista CULT em parceria com o Sesc, vai até esta sexta (17), no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Entre convidados nacionais e internacionais, são cerca de cinquenta nomes debatendo as transformações da prática jornalística na atualidade.

Seminário Jornalismo: As Novas Configurações do Quarto Poder
Onde: Teatro de Sesc Vila Mariana, R. Pelotas, 141 – Vila Mariana, São Paulo – SP
Quando: Até 17 de agosto
Quanto: R$ 30 (comerciário), R$ 50 (meia entrada) ou R$ 100 (entrada inteira)

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