Primeiro encontro nacional de autoras reúne 500 mulheres em João Pessoa

Primeiro encontro nacional de autoras reúne 500 mulheres em João Pessoa
Autoras durante o 1º Encontro do Mulherio das Letras, em João Pessoa (PB) (Foto: Divulgação)

 

“Mesmo se der errado, já deu certo”. Foi assim que a escritora, vencedora do prêmio Jabuti e freira militante Maria Valéria Rezende abriu o 1º Encontro do Mulherio das Letras, grupo fundado por ela para unir autoras brasileiras em busca de igualdade no mercado editorial. A frase parece estranha, mas faz sentido: só o fato de um encontro deste tamanho ter acontecido no Brasil já pode ser considerado uma conquista. Entre 12 e 15 de outubro, mais de 500 mulheres se reuniram em João Pessoa (PB) para debater, produzir e conhecer a produção de mulheres ligadas à escrita, à comunicação, às artes e ao feminismo.

Durante os quatro dias do Mulherio, aconteceram cinco performances e seis mesas de diálogos sobre temas como a representatividade feminina na literatura, as estratégias para subverter a exclusão da mulher do mercado editorial e a escrita para crianças – sempre sem mediação, para “transformar o debate em conversa”, segundo Mabel Dias, jornalista e uma das responsáveis pela comunicação digital do evento.

Houve também apresentações teatrais e musicais, leituras de poesia, produção de fanzines e a realização da Feira Cria, espaço para venda e troca de publicações independentes. Outro destaque importante foi a exposição Cidade Poema, projeto que desde abril de 2009 leva poesia às ruas na forma de adesivos. Com apoio da CULT, o projeto expôs 63 poemas de mulheres como Líria Porto, Laís Chaffe e Débora Gil Pantaleão: “Muitas delas jamais tinham visto seus textos impressos, e naquele momento eles estavam expostos, sendo lidos por centenas de pessoas”, afirma Mabel.

A programação, ampla e diversa, foi planejada para inserir mulheres de todas as regiões do país, assim como mulheres negras e de grupos LGBT  – os mais excluídos do mercado editorial, segundo Rezende. Ao mesmo tempo, a ideia era tomar o problema da exclusão editorial nas próprias mãos, sem depender de terceiros para formular soluções – mas sem excluir homens do debate: “O Mulherio não está propondo uma briga de homens e mulheres, mas exige e terá um espaço mais generoso para as mulheres no mercado editorial”, define o Secretário de Cultura da Paraíba, Lau Siqueira, que esteve presente durante todo o evento.

A cantora e escritora Natalia Barros, que também participou do Mulherio, completa: “Não foi, como muita gente imagina, um aglomerado de pessoas à margem, mas um encontro de mulheres muito diferentes entre si, algumas mais inseridas no mercado, outras menos, mas todas querendo ajudar”. Ao lado da paulista Angela Quinto e das paraibanas Lucia Serpa e Tânia Neiva, Barros foi uma das idealizadoras da performance Monstera deliciosa, apresentada na quinta (12).

O evento prestou homenagem a Maria Firmina dos Reis (1825-1917), autora maranhense tida como a primeira romancista brasileira. Entre as convidadas mais ilustres estava a escritora e também vencedora do Jabuti Conceição Evaristo, que junto da escritora Lenita Estrela de Sá e da professora Algemira de Macêdo Mendes falou sobre a homenageada e sobre a importância do evento.

Maria Valéria Rezende, organizadora do Mulherio das Letras, durante o encontro (Divulgação)

“Este encontro tem esse simbolismo também de mulheres buscando justiça, de mulheres que estão aí levantando nomes de mulheres que produziram cultura nesse país e que são excluídas por uma questão de gênero e, no caso das mulheres negras, são excluídas por uma questão de gênero e de raça”, disse Evaristo. Para Mabel, a fala da escritora foi um dos momentos mais marcantes: “Ela é a prova viva de que é possível chegar aonde ela chegou e tornar-se uma escritora de sucesso. Foi inspirador”.

Organização característica

O Mulherio das Letras é um grupo auto-organizado, gerido de forma horizontal e independente de incentivos governamentais. A Secretaria de Cultura da Paraíba ofereceu ao grupo apoio na forma de espaços para a realização do encontro: a Usina Cultural Energisa, o Espaço Cultural José Lins do Rego e a própria Secretaria de Cultura da Paraíba.

“Todo o resto foi tirado dos nossos bolsos, de auxílios das participantes e de parceiros como a CULT”, afirma Mabel, enumerando outros parceiros oficiais: a Fundação Espaço Cultural, a Universidade Federal da Paraíba, a Fundação Casa de José Américo e a OSC Moenda Arte e Cultura. Ela lembra que tudo aconteceu de forma “muito natural”: “Cada grupo local do Mulherio se organizou sozinho em seus respectivos Estados, e depois tudo foi adaptado em conjunto com o grupo nacional.” 

 

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O Secretário de Cultura, que apoiou ao encontro desde a concepção, parabenizou sua organização e reiterou sua importância: “O Mulherio das Letras é a Semana Modernista da pós-modernidade”, afirmou, em seu perfil no Facebook. À CULT, ele continuou: “Não podemos agir como se não estivesse acontecendo nada. Realizar eventos sem discutir a conjuntura, por exemplo. A arte está sendo criminalizada. A cultura está sendo criminalizada. As políticas de cultura não podem ser um fator de alienação”.

Para Natalia, a forma de organização foi “característica dos laços que só acontecem entre mulheres” e “uma extrema democracia”. Mesmo assim, o Mulherio encarou problemas como a troca de locais de algumas programações e pequenas confusões de horários. “Acho que, com tanta gente, errar é compreensível. Me impressionei porque as organizadoras sempre admitiam os erros e trabalhavam para superá-los o mais rápido possível”, elogia.

Na prática, o encontro foi considerado bem sucedido pelas organizadoras. Logo no início, três livros foram lançados: a Coletânea de prosa Mulherio das Letras, com contos e crônicas de 100 autoras; a Coletânea de poesia Mulherio das Letras, que reúne 59 poetas, e o livro Outras Carolinas, do Mulherio das Letras da Bahia, que agrega 37 poetas do estado.

Pelo menos 28 obras foram lançadas ao longo do evento, como as coletâneas Novena para pecar em paz (organizado por Cinthia Kriemler) e Rastros de Mentiras e Segredos (do Coletivo Quantas de Nós), e livros como Cacos: Momentos que fi(n)cam, de Ciça Lessa. Houve também a produção de fanzines e de revistas como a Nair e a digital Anayde.

“Tudo foi muito bem pensado e muito bem debatido. O que aconteceu aqui não passará em brancas nuvens. As mulheres escritoras mostraram um enorme grau de unidade e mobilização”, afirma Siqueira.  

Devido ao sucesso do 1º Encontro do Mulherio das Letras, ontem (16), Maria Valéria Rezende recebeu da deputada estadual Estela Bezerra (PSB) o Título de Cidadania Paraibana. Além disso, o evento já tem data e lugar para acontecer no ano que vem: a prefeitura do Guarujá, no litoral de São Paulo, convidou o Mulherio para realizar seu segundo encontro na cidade, em outubro de 2018. “A sensação que fica é que as coisas estão apenas começando”, diz o Secretário de Cultura.

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