Arcas de Babel: Patrícia Lavelle traduz Ingeborg Bachmann
Lavelle: obra poética de Bachmann está entre as mais importantes do século 20 (Fotos: Marc de Launay e Lydia Belostyk)
Ingeborg Bachmann nasceu na Áustria em 1926 e morreu aos 47 anos em 1973, em consequência de um incêndio no apartamento onde morava em Roma. Apesar de ter vivido pouco e de ter publicado em vida apenas duas coletâneas de poesia, deixou uma vasta obra poética que está entre as mais importantes do século 20, além de contos, um romance, ensaios e cartas. Pertence à geração de escritores que atingiu a maturidade no imediato pós-guerra. Assim, a necessidade de renovar a língua e a literatura alemã, contaminadas pelo discurso nazista, aparece de modo recorrente em sua poesia, bem como a reflexão sobre a tradição e a história, e em particular sobre a historicidade do eu lírico.
Como muitos sabem, manteve uma longa correspondência amorosa com o também poeta Paul Celan, publicada sob o título Herzzeit (Tempo do coração), e foi casada com o escritor Max Frisch. Menos frequentemente se conta que defendeu doutorado em filosofia com uma tese sobre a questão da linguagem, discutindo com os pensadores do círculo de Viena, e em 1954 realizou uma série de conferências sobre poética na Universidade de Frankfurt. Nessas aulas, que foram publicadas num livro de ensaios, afirma que a poesia não apenas representa sua época, mas também apresenta alguma coisa cujo tempo ainda não chegou.
Os dois poemas traduzidos abaixo são relidos por Catherine Weinzaepflen em seus próprios poemas, também incluídos nestas Arcas de Babel.
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O mundo é amplo e são muitos os caminhos, de país a país,
são muitos os lugares, a todos conheci
de todas as torres, mirei as cidades, vi
as pessoas que chegarão e as que já se foram.
Amplos eram os campos de sol e de neve
entre trilhos e ruas, entre mar e montanha.
E a boca do mundo era ampla e cheia de vozes em meus ouvidos
e prescrevia, ainda à noite, o canto da diversidade
bebi num só trago o vinho de cinco taças,
meus cabelos molhados, os quatro ventos em sua casa mutante secaram.
É o fim da viagem
e no entanto não cheguei ao final de nada
cada lugar ficou com um pedaço do meu amor
cada luz me queimou um olho
em cada sombra vi minhas roupas rasgadas.
É o fim da viagem.
Mas a cada longínquo ainda estou acorrentada,
e nenhum pássaro levou-me além das fronteiras, salva
nem a água que flui em direção à foz
leva consigo cabisbaixo o meu rosto,
leva consigo meu sono sem mais projetos…
Eu sei o mundo mais perto e quieto.
Atrás do mundo haverá uma árvore
com nuvens de folhagens
e cume azul
em seu tronco de sol vermelho
o vento entalha nosso coração
e o refresca de orvalho.
Atrás do mundo haverá uma árvore
um fruto em seus galhos
numa casca dourada.
Deixe-nos olhar para outro lado
quando, no outono do tempo,
rolar nas mãos de Deus!
Die Welt ist weit und die Wege von Land zu Land,
und der Orte sind viele, ich habe alle gekannt,
ich habe von allen Türmen Städte gesehen,
die Menschen, die kommen werden und die schon gehen.
Weit waren die Felder von Sonne und Schnee,
zwischen Schienen und Straßen, zwischen Berg und See.
Und der Mund der Welt war weit und voll Stimmen an meinem Ohr
und er schrieb, noch des Nachts, die Gesänge der Vielfalt vor.
Den Wein aus fünf Bechern trank ich einem Zuge aus,
mein nasses Haar trocknen vier Winde in ihrem wechselnden Haus.
Die Fahrt ist zu Ende,
doch ich bin mit nichts zu Ende gekommen,
jeder Ort hat ein Stück von meinem Lieben genommen,
jedes Licht hat mir ein Aug verbrannt,
in jedem Schatten zerriß mein Gewand.
Die Fahrt ist zu Ende.
Noch bin ich mit jeder Ferne verkettet,
doch kein Vogel hat mich über die Grenzen gerettet,
kein Wasser, das in die Mündung zieht,
treibt mein Gesicht, das nach unten sieht,
treibt meinen Schlaf, der nicht wandern will…
Ich weiß die Welt näher und still.
Hinter der Welt wird ein Baum stehen
mit Blättern aus Wolken
und einer Krone aus Blau.
In seine Rinde aus rotem Sonnenband
schneidet der Wind unser Herz
und kühlt es mit Tau.
Hinter der Welt wird ein Baum stehen,
eine Frucht in den Wipfeln,
mit einer Schale aus Gold.
Laß uns hinübersehen,
wenn sie in Herbst der Zeit
in Gottes Hände rollt!
Na verdade
Para Anna Achmatova
A quem nunca foi pego
de surpresa por uma palavra,
digo a vocês,
e sabe apenas
com a ajuda das palavras
ajudar a si mesmo –
não se pode ajudar.
Nem pelo caminho mais curto
nem pelo mais longo.
Fazer com que uma só frase funcione
mantê-la no barulho das palavras
Não há ninguém que escreva essa frase
que não a subscreva.
Wahrlich
Für Anna Achmatova
Wenn es ein Wort nie verslagen hat,
und ich sage es euch,
wer bloß sich zu helfen weiß
und mit den Worten –
dem ist nicht zu helfen.
Über den kurzen Weg nicht
Und nicht über den langen.
Einen einzigen Satz haltbar zu machen,
auszuhalten in dem Bimbam von Worten.
Es schreibt diesen Satz keiner,
der nicht unterschreibt.