Arcas de Babel: poesia nórdica traduzida por Francesca Cricelli, Leonardo Silva e Luciano Dutra

Arcas de Babel: poesia nórdica traduzida por Francesca Cricelli, Leonardo Silva e Luciano Dutra

 

 

A poesia leva ao que há de mais singular em cada língua e desafia a experiência da tradução. Entretanto, muitas e muitos poetas traduzem, e às vezes a escrita poética surge junto com um olhar estrangeiro para a própria língua, vem com a consciência de sua singularidade, entre tantas outras.

Esse estranhamento intensifica as forças de transformação no interior das línguas, estendendo seus limites, ampliando seus horizontes. E nunca precisamos tanto dos horizontes que a poesia projeta, agora que uma nuvem pesada encobre perspectivas de futuro… Talvez traduzir poesia seja um modo de contribuir para a construção, não de uma torre, mas de uma ponte ou de uma arca utópica que nos ajude a atravessar o dilúvio. Que nela, aos pares, as línguas se encontrem, fecundas.

A série Arcas de Babel acolhe traduções de poesia e está aberta também a testemunhos sobre a experiência de traduzir.

Após uma breve interrupção, retomamos as Arcas de Babel com três edições seguidas de poesia nórdica, reunindo a excelente equipe de poetas-tradutores que vem colaborando na página Um poema nórdico por dia.

Na edição de hoje, leremos poetas da Islândia, das Ilhas Faroé e da Noruega, em traduções da poeta, tradutora e pesquisadora Francesca Cricelli, do tradutor e pesquisador Luciano Dutra e do jornalista e tradutor Leonardo Pinto Silva. A seleção de textos foi realizada por Francesca Cricelli e Luciano Dutra, e mantém a paridade de gênero de autoras e autores que tem sido uma constante nesta série.

Luciano Dutra, nascido em 1973, em Viamão, é bacharel em língua e literatura islandesa (2007) e mestrando em estudos de tradução pela Universidade da Islândia. Além de literatura islandesa e nórdica contemporânea, traduz as sagas, obras únicas de prosa de ficção compiladas na Idade Média por autores anônimos da Islândia. Em 2014, fundou em Reykjavík, onde vive desde 2002, a Sagarana forlag, editora plurilíngue que enfoca a publicação de literatura em tradução entre as línguas nórdicas e o português. Mantém desde 2016 a página Um Poema Nórdico ao Dia. Em 2018, Pela boca da baleia (Tusquets, 2017), sua tradução do romance Rökkurbýsnir, do islandês Sjón, ficou em segundo lugar no prêmio Paulo Rónai da Biblioteca Nacional e foi uma das dez finalistas do Prêmio Jabuti.

Francesca Cricelli, nascida em 1982 em Ribeirão Preto, é poeta e tradutora literária. Doutora em letras estrangeiras e tradução pela Universidade de São Paulo, publicou os livros Repátria (Demônio Negro, 2015), 16 poemas + 1 (Sagarana forlag, 2018), As curvas negras da terra (Nosotros, 2019) e Errância (Macondo, 2019). Traduziu, entre outros, Elena Ferrante, Igiaba Scego, Claudia Durastanti, Jhumpa Lahiri e Fernando Pessoa. Vive em Reykjavík onde estuda língua e literatura islandesa para estrangeiros.

Leonardo Pinto Silva, nascido em 1970 em Fortaleza, é jornalista e tradutor, majoritariamente do norueguês. Aprendeu o idioma na Noruega, onde concluiu o ensino médio, e já traduziu, entre ficção e não ficção, mais de trinta títulos de autores como Jostein Gaarder, Karl Ove Knausgård e Thor Heyerdahl para diversas editoras brasileiras. Recentemente, teve publicado pelas editoras Carambaia e Moinhos várias peças de Henrik Ibsen que foram encenadas em Porto Alegre pela diretora Camila Bauer, brasileira vencedora do Ibsen Awards 2017. Entre uma obra em prosa e outra, dedica-se à tradução de poesias dos idiomas escandinavos. Vive em São Paulo, é casado e tem dois filhos.

***

Seleção de poemas por Francesca Cricelli e Luciano Dutra a
partir da página  Um poema nórdico ao dia

 

A página Um poema nórdico ao dia foi idealizada e conta com a curadoria de Luciano Dutra, tradutor literário gaúcho radicado em Reykjavík, capital da Islândia. O que começou como um projeto pessoal espontâneo do tradutor e, como tal, totalmente despretensioso, é hoje uma das maiores referências, na rede, de poesia contemporânea nórdica traduzida para a língua portuguesa. Luciano Dutra é o único tradutor juramentado do islandês para o português, além de ser um dos cinco tradutores literários a fazer a ponte entre os dois idiomas. Fundou em Reykjavík, em 2014, a Sagarana Forlag, editora plurilíngue que enfoca a publicação de literatura em tradução entre as línguas nórdicas e o português. Indicamos a entrevista cedida à revista Belas Infiéis da Universidade de Brasília para “Traduzindo fora do eixo: entrevista com Luciano Dutra” para conhecer melhor seu percurso ímpar no mundo das línguas nórdicas e da tradução.

A página Um poema nórdico por dia conta hoje com a colaboração fixa e esporádica de alguns colegas tradutores, dos mais experientes aos iniciantes. Entre os tradutores colaboradores fixos há Fernanda Sarmatz Åkesson, que mora há uns vinte anos em Estocolmo e é a mais prolífica tradutora do sueco para o português na atualidade — já traduziu dezenas de obras de literatura infantojuvenil, novelas policiais e obras de não ficção, abarcando autores como Karin Boye, Astrid Lindgren, David Lagercrantz e Håkan Nesser, mas que estreou como tradutora de poesia na nossa página; e Leonardo Pinto Silva, que traduziu do norueguês, entre outros, o primeiro volume de Minha vida (Min kamp) de Karl Ove Knausgård, O mundo de Sofia (Sofies verden) de Jostein Gaarder, além de uma caixa reunindo quatros das peças mais importantes de Henrik Ibsen (Espectros, Um inimigo do povo, Hedda Gabler e Solness, o construtor). Recentemente, recém-chegada a Reykjavík, agregou-se à colaboração da tradutora, poeta e pesquisadora Francesca Cricelli, que já verteu ao português autores como Giuseppe Ungaretti, Igiaba Scego, Elena Ferrante e muitos outros, e começa agora a traduzir poemas do islandês também como processo de estudo e método de aquisição de linguagem. Também já colaboraram com traduções a poeta, professora, artista plástica e pesquisadora Laura Erber, que atualmente reside em Copenhague, e Karl Erik Schøllhammer, professor, pesquisador e tradutor, além de Helen Beltrame-Linné, jornalista, advogada e cineasta residente em Estocolmo.

A cada dia da semana é apresentado um poema de uma língua nórdica e sua tradução. Alteram-se textos escritos por mulheres e por homens. A seleção é ampla e heterodoxa, lançando ao mundo lusófono poetas mais conhecidos e renomados, mas também jovens descobertas da poesia nórdica. Os tradutores e curadores Luciano Dutra e Francesca Cricelli selecionaram uma amostragem em todas as línguas representadas na página Um poema nórdico ao dia.

***

Islândia

Poemas de Einar Már Guðmundsson

 

Einar Már Guðmundsson, nascido em 1954 em Reykjavík, é romancista e poeta. Estreou na literatura em 1980 com um volume de poemas e, desde então, publicou mais de vinte obras. Teve seus livros traduzidos para mais de trinta idiomas e seu romance Anjos do Universo (Hedra, 2017) foi agraciado com o Prêmio de Literatura do Conselho Nórdico em 1995. Vive na capital da Islândia, com sua mulher, Þórunn, com quem teve cinco filhos.

Tão grandes são os pingos de chuva
que ouço o batimento cardíaco dos homens
quando caem na calçada.

Os meteorologistas dizem
que não chovia tanto há 140 anos.

Contudo estou parado e espero
com meu batimento cardíaco na chuva
e a chuva no coração.

 

Svo stórir eru regndroparnir
að ég heyri hjartslátt mannanna
þegar þeir falla á gangstéttina.

Veðurfræðingar segja
að ekki hafi rignt jafn mikið í 140 ár.

Samt stend ég og bíð
með hjartslátt minn í regninu
og regnið í hjartanu.

(traduzido do islandês por Francesca Cricelli)

 

IV

Um espelho fala em meio ao sono,
absorve a realidade.
Lá fora espelham-se as nuvens, navegam no céu
como um navio em direção ao porto.

Quantos portos há no céu?
Pergunte ao espelho, antes que a realidade acorde
e o silêncio assuma.
Ele é sedento como as nuvens.

Tudo isso acontece na alma.
As palavras flutuam no céu
e se levantam do abismo,
caminham cidades adentro
e se espelhalm nas nuvens
como as cores na luz.

 

[IV]

Spegill talar upp úr svefni,
drekkur í sig veruleikann.
Úti speglast skýin, sigla um himininn
einsog skip á leið til hafnar.

Hvað eru margar hafnarborgir á himnum?
Spurðu spegilinn, áður en veruleikinn vaknar
og þögnin tekur við.
Hún er þyrst einsog skýin.

Þetta gerist allt í sálinni.
Orðin svífa um himininn
og stíga upp úr djúpinu,
ganga inn í borgirnar
og spegla sig í skýjunum
einsog litirnir í ljósinu.

(traduzido do islandês por Francesca Cricelli)

V

Sigo pela rua e viro à esquerda,
adentro outro período da história,
depois ando até a direita encosta acima
e então me encontro no mesmo lugar.

Aqui faz tempo que luzes brilham nas janelas
e as flores dormem e acordam e respiram.
Agora as almas flutuam e pousam nos galhos das árvores,
pousam feito fantasmas nos galhos das árvores.

Lá fora o crepúsculo dança, remonta e dança.
Portas que outrora se abriam em abraços estão fechadas.
Agora as luzes se apagaram, as flores já eram e a cidade é escura.

Observo os carros passando na rua, as luzes traseiras vermelhas
e penso: não é preciso dar a seta
ao mudarmos de opinião.

[V]

Ég geng eftir götunni og beygi til vinstri,
inn á annað tímabil í sögunni,
geng svo til hægri upp brekkuna
og er aftur staddur á sama stað.

Hér hafa ljósin logað lengi í gluggum
og blómin sofið og vakað og andað.
Nú svífa andar og setjast á greinar trjánna,
setjast einsog vofur á greinar trjánna.

Úti dansar húmið, svífur og dansar.
Dyr sem eitt sinn opnuðu faðm sinn hafa lokast.
Nú eru ljósin skökkt, blómin horfin og borgin dimm.

Ég horfi á bílana aka eftir götunni, á rauð afturljósin
og hugsa: Þar þarf ekki að gefa stefnuljós
þegar skipt er um skoðun.

(traduzido do islandês por Luciano Dutra)

Poemas de Kristín Ómardsóttir

 

Kristín Ómarsdóttir, nascida em 1962 em Reykjavík, estudou islandês, teoria literária e espanhol na Universidade da Islândia. Poeta, dramaturga, contista, romancista, artista gráfica, escultora e videoartista, foi duas vezes indicada ao prêmio de literatura do Conselho Nórdico. Recebeu o prêmio islandês de dramaturgia (Gríman) por sua peça Segðu mér allt (Me conta tudo, 2005) e o Fjöruverðlaun, prêmio islandês de literatura escrita por mulheres, pelo livro de poemas Sjáðu fegurð þína (Vê a tua beleza, 2008). Já teve obras suas traduzidas para o finlandês, francês, sueco, inglês, dinamarquês, galego, espanhol e alemão. Os títulos traduzidos entre parênteses são apenas indicativos, pois referem-se a obras ainda sem tradução em português.

 

PAZ DOMÉSTICA

as três crianças lambem o leite
das árvores
a mãe sentada na cadeira
de bambu unindo os corações com crochê

o pai chega em casa
quando o sol está se pondo
com pássaros brancos na garupa

deixa para trás pegadas
pesadas
na rua

a mãe os encobre
despistando as raposas
aqui ninguém chega

[HEIMILISFRIÐUR]

börnin þrjú sleikja mjólkina
af trjánum
móðirin situr í bambus
stól og heklar hjörtu saman

faðirinn kemur heim
er sól fellur
með hvíta fugla á bakinu

skilur eftir sig þung
spor
í götunni

móðirin sópar yfir þau
og refirnir blindast
hingað kemst enginn

(traduzido do islandês por Francesca Cricelli)

PINTURA

No Museu de Artes da Islândia no domingo passado
encontraram-se duas mulheres
enroladas em casacos de pele, desapareceram por detrás de uma coluna
enquanto os outros
acompanhavam o guia do museu que discorria sobre cavalos
na pintura islandesa. E lá elas se beijaram
um beijo de donas de casa escondidas nos pêlos claros de raposa.

[MYND]

Á Listasafn Íslands síðastliðinn sunnudag
hittust tvær konur
vafðar inn í loðfeldi, hurfu bakvið súlu
á meðan aðrir
fylgdu leiðsögumanninum sem fjallaði um hesta
í íslenskri málaralist. Og þar kysstust þær
húsmóðurkossum faldar í ljós refahár.

(traduzido do islandês por Francesca Cricelli)

 

Ilhas Faroé

Poemas de Jóanes Nielsen

 

Jóannes Nielsen, nascido em 1953 em Tórshavn, é um romancista e poeta feroês da geração dos anos 1980. Escreveu contos, peças e romances. Foi recentemente indicado ao prêmio de literatura do Conselho Nórdico pela quarta vez com sua última coleção de poemas, intitulada Brúgvar av svongum orðum (Pontes de palavras famintas). Uma de suas principais influências é o feroês William Heinesen, um dos grandes romancistas do século 20, que escreveu sua vasta obra em dinamarquês.

QUERO TER SONHOS DE VERDADE

Tenho cada vez mais alergia do que é belo.
A poesia perfumada me dá asco.
Prefiro palavras catinguentas.
As palavras devem estalar como faíscas numa tomada quebrada.
Gosto mais das flores que crescem na terra úmida em torno das fossas sépticas.
Não sei de que matéria os sonhos são urdidos,
mas quero ter sonhos de verdade.
Daqueles que cabem na mão como um seio
ou uma granada.

 

[EG VIL HAVA ORDILIGAR DREYMAR]

Eg eri blivin meiri og meiri allergiskur móti tí pena.
Angandi poesi býður mær ímóti.
Eg vil heldur hava orð sum stinka.
Orðini skulu springa sum neistar í brotnari kontakt.
Mær dámar best blomstur, sum vaksa í vátu jørðini rundan um seppitangar.
Eg veit ikki, úr hvørjum tilfari dreymar eru vovnir,
men eg vil hava ordiligar dreymar.
Teir, sum liggja í hondini sum eitt kvinnubróst
ella ein hondgranat.

 

O BATENTE DA PORTA

Enquanto os meus filhos cresciam
eu costumava entalhar a altura deles no batente da porta
escrevia o nome
a altura e a data
sob o entalhe.
Agora que eles se foram de casa
eu me pergunto
em qual batente devo entalhar a minha solidão.

 

[DURASTAVUR]

Tá børnini framvegis stóðu í vøkstri
plagdi eg at skera teirra longd inn í durastavin
skrivaði navn
hædd og dagfesting
undir skurðin.
Nú tey eru floygd og farin
spyrji eg meg sjálvan
í hvønn durastav eg skal skera mítt einsemi.

(traduzido do feroês por Luciano Dutra)

Poemas de Lív Maria Róadóttir Jæger

 

Lív María Róadóttir Jæger, nascida em 1981, publicou o poema gravando Mítt navn við hondskrift (Meu nome escrito à mão) em 2014, e sua primeira coleção de poemas, Hvít sól (Sol branco) em 2015. Seu segundo livro de poemas, Eg skrivi á vátt pappír (Escrevo em papel molhado, 2020) foi um dos dois indicados pelas Feroés ao prêmio de literatura do Conselho deste ano.

com oito anos ouço pela primeira vez a palavra
CRÔNICO
saindo da boca da minha avó
como um cavalo de serventia

corcoveia
pinoteia
esperneia

ou então
morde
sacode
se solta da sela

atabalhoada como as palavras ENXOVALHADO
ou COMPLEXO DE VIRA-LATA

ela labuta
a palavra CRÔNICO
é tão laboriosa
tem o seu próprio andaime
e temos que usar sapatos de segurança
quando a dizemos

 

8 ára gomul fyrstu ferð eg hoyri orðið
KRONISKT
tað kemur úr munninum á ommu
sum eitt arbeiðsross

tað sleipar
knossast
dregur

ella tað
bítur
brýtur
kastar týggini av sær

baksaligt sum orðið HÝGGISKOTIN
ella MINNILUTAKOMPLEKS

tað strevast
orðið KRONISKT
er so strævið
hevur sín egna byggipall
og vit eru í trygdarskóm
tá vit siga tað

 

LIVRO DE BOLSO

escrevo
“nós adoramos a vó
ela é a nossa coisa doce favorita
suculenta alaranjada
ela é um pêssego
doce e grudento
cor-de-laranja
uma fruta um pouco
rosada”

escrevo
“porcelana
entalhada
entalhar”

escrevo
“a minha vó disse

ou apenas

a vó disse

ou

ela disse
ela + vó
disse = eu”

escrevo
“deixar de molho

ou

eu podia imprimir a foto
colocá-la na água
por quê?”

escrevo
“pastagem
escada
espreguiçadeira
pedras
na
cachoeira
cavalo”

escrevo
“cachecol
cabelo
mulher
debaixo da terra”

escrevo
“as palavras lesmas gosmentas
deixam um rastro pegajoso de muco?

uma lapa
uma lesma?

acho várias coisas pegajosas”

escrevo
“livros são mexilhões com adutores
as linhas são devoradas por moluscos e algas”

escrevo
“violência
palavra pesada
9 letras”

escrevo
“Athena Farrokhzad escreve

a minha vó disse: escreve assim

e

a minha mãe disse: escreve assado”

escrevo
“Hanne Aga escreve

a língua impossível
essa que deveras entendo

e

a vontade de escrever
para tirar o sono dos teus
olhos”

escrevo
“Ocean Vuong cita

a vó

ou

a vó disse”

escrevo
“Steinbjørn B. Jacobsen escreve
a terra está rachada debaixo dos pés”

escrevo
“se tu tomar café preto a tua pele vai ficar bonita
a vó disse”

 

[LUMMABÓK]

eg skrivi
okkum dámar ommuna
hon er okkara søta forkunnuga
saftig reyðgul
hon er ferska
søt og kleprut
appilsingul
eitt sindur ljósareyð
frukt”

eg skrivi
porselen
skarðað
at skera”

eg skrivi
omma mín segði

ella bara

omma segði

ella

hon segði
hon + omma
segði = eg”

eg skrivi
at bloyta upp

ella

eg kundi prentað myndina út
lagt hana í vatn
hví?”

eg skrivi
hagi
trappa
sólstólur
grót
á
fossur
ross”

eg skrivi
turriklæði
hár
dama
undir mold”

eg skrivi
orðini sliputir sniglar
leggja eftir seg klistrutar rásir af slími?

ein fliða
ein snígil?

finn ymiskt sum er slímut”

eg skrivi
bøkur eru øður við lokavøddaryggi
reglur etast av lindýrum og tara”

eg skrivi
harðskapur
tungt orð
10 bíkstavir”

eg skrivi
Athena Farrokhzad skrivar

min mormor sa: skriv så här

og

min mor sa: skriv så här”

eg skrivi
Hanne Aga skrivar

de umoglege språket
det eg verkeleg forstår

og

motet til å skrive
søvnen ut av auga
dine”

eg skrivi
Ocean Vuong siterar

grandma

ella

grandma said”

eg skrivi
Steinbjørn B. Jacobsen skrivar
jørðin er skrædnað við føturnar”

eg skrivi
um tú drekkur kaffi svart fært tú pena húð
segði omma”

(traduzido do feroês por Luciano Dutra)

 

Noruega

Poemas de Sondre H. Bjørgum

 

Sondre H. Bjørgum, nascido em 1980 em Norheimsund e criado em Hardanger, é poeta e documentarista. Vive em Oslo com a esposa Rikke e os dois filhos do casal. Como poeta, estreou em 2017 com Fyrste gong me møtest som snø – ei nedteljing (A primeira vez que nos encontramos na forma de neve – uma contagem regressiva) e publicou seu segundo livro, Utan dekning (Fora da área de cobertura), em 2019.

todas as casas
buscam um
lar

cada cabeça busca um rosto

e a floresta
busca suas árvores

a chuva insistente
pinicando nos teus ombros

como se algo lhe pesasse no coração

será que isso quer dizer
que me tornei o teu rosto

quando
deixei que me achasses

 

alle hus
leitar etter ein
heim

kvart hovud etter eit andlet

og skogen
etter sine tre

det masete regnet
som prikkar deg på skuldra

som om det har noko på hjarta

vil det seia at eg
vert ditt andlet

når eg
lét deg finna meg

(traduzido do norueguês-nynorsk por Luciano Dutra)

 

50

daqui pra frente não sei mais nada
digo
é mais do que suficiente
dizes
enquanto as montanhas à nossa volta
desmoronam
no fiorde

 

[50]

frå no av veit me ingenting
seier eg
det er meir enn nok
seier du
medan fjella rundt oss
rasar ned
i fjorden

(traduzido do norueguês-nynorsk por Luciano Dutra)

Poemas de Tone Hødnebø

 

Tone Hødnebø, nascida em 1962 em Oslo e criada em Tønsberg, é poeta e tradutora. Estreou com o livro de poesia Larm (Alarde, 1989). Escreveu uma pequena obra sobre poética, Skamfulle Pompeii (Pompeia encabulada, 2004) e traduziu Emily Dickinson para o norueguês. Recebeu alguns dos prêmios de poesia mais prestigiosos da Noruega e é sem dúvida uma das poetas contemporâneas mais respeitadas do país. Ensina criação literária na Noruega e na Suécia.

OH, AMADO, FICA NO MEU CORAÇÃO

Oh, amado, fica no meu coração,
o peso dos amantes,
o peso da solidão me afoga.
Ouço minha própria voz
e é como se ouvisse outro alguém
dizer tudo que só eu sabia
daquele a quem amei.
Poderia cair morta
e então começar a falar
como se houvesse uma maldição
que me tornasse meu próprio inimigo,
aquele a quem amei.
Ouço minha própria voz,
oh, fica no meu coração, amado
e sem essa candura
estarás preso ao abismo dos infernos,
tu, o único a quem amei.

 

[Å ELSKEDE, BLI I HJERTET MITT]

Å elskede, bli i hjertet mitt,
vekten av elskere,
vekten av ensomhet drukner meg.
Jeg hører mine egne ord
det er som å høre en annen
snakke om alt bare jeg visste om,
om den ene som jeg elsket.
Jeg kunne falle død om
og så begynne å snakke
som om det skulle eksistere en forbannelse
som gjør meg til min egen fiende,
den ene som jeg elsket.
Jeg hører mine egne ord,
å, bli i hjertet mitt, elskede
og uten denne åpenhjertigheten
sitter du fast i helvetes avgrunner,
du, den eneste som jeg elsket.

(traduzido do norueguês/bokmål por Leonardo Pinto Silva)

 

AO CHEGARES EM CASA

Ao chegares em casa sonhas
que estás indo para casa, e sonhas
que está nevando, a floresta é escura, e queres
correr de volta
até que a claridade se infiltra
entre as janelas altas até chegar à neve.
Por baixo da fresta da porta uma mensagem numa folha:
vais encontrar aos outros
noutro sonho.
Uma porta se abre, o teu pai
entre e diz és uma adulta,
quase fazes um gesto com a cabeça concordando,
pois dormes com o coração puro, pois
não consegues mais discernir o sonho
do teu próprio fôlego.

 

[NÅR DU KOMMER HJEM]

Når du kommer hjem drømmer du
at du går hjem, og du drømmer
at det snør, skogen er dunkel, og du vil løpe
tilbake igjen
til lyset siver
ut gjennom de høye vinduene og ut på snøen.
Under glipen i døren en beskjed på et papir:
du skal finne de andre
i en annen drøm.
En dør går opp, og faren din
kommer inn og sier du er voksen,
du nikker nesten,
for du sover med et godt hjerte, for
du kan ikke lenger skjelne drømmen fra
ditt eget åndedrett.

(traduzido do norueguês-bokmål por Luciano Dutra)

 


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