Nossa TV, um Frankenstein

Nossa TV, um Frankenstein

Modelo de tecnologia, a televisão brasileira não se livrou dos males do seu passado. Resultado: programação, conteúdo e controle social não evoluíram

Inimá Simões

A televisão surgiu no Brasil como uma típica extravagância de Assis Chateaubriand, manda-chuva dos Diários e Emissoras Associados, o mais poderoso conglomerado de mídia que já tivemos no país, hoje, um elo um tanto quanto perdido na história da imprensa nacional. Há que se levar em conta o fato de que o quadro socioeconômico do país em 1950 não era favorável à implantação da TV: prevalência do setor agrícola e cerca de 80% da população vivendo na área rural, onde a maioria absoluta das propriedades não contava sequer com energia elétrica. Por isso mesmo a televisão brasileira hibernou por anos a fio e só com o advento do regime militar ela começa a ganhar a forma e o peso específico que mantém até hoje. 

Com o golpe militar de 1964, a TV brasileira se desloca para o centro da cena pública, já como o principal meio de comunicação do país. O destaque absoluto fica por conta das novelas diárias que emocionam e mobilizam e em torno das quais a programação ainda é concebida, passados mais de 40 anos de sua adoção. Como diria Chacrinha, um dos principais nomes da nossa telinha nessa fase histórica, “na televisão nada se cria, tudo se copia”. O período militar coincide com o surgimento e a consolidação da Globo como o principal grupo televisivo, responsável pela introdução da racionalidade no setor, algo inimaginável enquanto a hegemonia fora dos Associados e de sua principal emissora, a TV Tupi. Vale ressaltar que o regime ditatorial exerceu forte controle sobre o sistema televisivo: não só através da censura implacável nos programas (a censura federal chegou a destacar um funcionário para avaliar o desenho animado Tom & Jerry, suspeito de conter mensagens subliminares perigosas à manutenção da paz e da tranqüilidade na família), mas também sob a forma de pressão política e econômica em relação às principais redes do país. E last but not least, sempre se deve lembrar da distribuição das concessões para o funcionamento das TVs, uma prerrogativa do Estado brasileiro, que o governo militar (e os subseqüentes) utilizaram “generosamente” para formar sua corte de apaniguados. 

O retorno à normalidade democrática, em 1985, trouxe um alento especial à sociedade com a expectativa de que a partir de então as forças sociais e econômicas teriam de negociar democraticamente suas demandas, de que o Congresso voltaria a funcionar sem o cutelo militar e de que os meios de comunicação atuariam com liberdade total. De maneira geral, isso vai acontecer, mas a  televisão brasileira emerge da ditadura militar poderosa o suficiente para se estabelecer como protagonista suprema, pairando acima dos controles institucionais, administrando suas próprias ­necessidades e atendendo aos próprios interesses. Além disso, um levantamento realizado no final de 2001 mostrou que existiam naquele ano no país 440 emissoras de rádio e televisão em nome de políticos. Para falar com clareza, trata-se de uma relação no mínimo discutível entre a mídia eletrônica e o poder político, principalmente nas regiões menos desenvolvidas, onde fica evidente a confluência do controle político-econômico com o da informação.    

Nos últimos anos, tem-se falado na necessidade de um controle social da televisão, e cada manifestação nesse sentido logo recebe sua dose de críticas indignadas, de teor supostamente anticensório, como se a pretensão dos setores mais combativos da sociedade civil fosse conivente com qualquer fórmula de  intervenção direta na ­programação, nos moldes utilizados durante a ditadura militar. O que há, e é preciso reconhecer isso, é uma preocupação legítima quanto ao poder da TV na formação dos “corações & mentes” dada a sua importância exacerbada no país. A televisão alcança todo o território e para a maioria da população só ganha existência real aquilo que é exibido na telinha. O resto não conta! Para se ter um exemplo concreto: o próprio poder federal, em suas várias instâncias, tem por hábito divulgar informações de maneira a facilitar sua divulgação pelos telejornais da noite, tendo o Jornal nacional da TV Globo à frente. Existem hoje no Brasil – numa estimativa conservadora – mais de 40 milhões de lares com televisores, o que facilita que um participante medíocre de um reality-show qualquer se torne uma celebridade instantânea, convidada a todos os eventos!  

Costuma-se dizer que o Brasil passou de uma cultura pré-literária para uma cultura de imagens, pós-literária, sem passar pela mediação tradicional dos livros, do teatro, do jornal, da revista. Uma pesquisa patrocinada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) em 2001, revelou que o brasileiro lê 1,8 livro por ano. Publicam-se cerca de três revistas por habitante/ano, e todos os jornais diários somados não tem uma vendagem superior a oito milhões de exemplares/dia,  número inferior à tiragem de um único jornal de Tóquio. A do Asahi shimbum, por exemplo, é de doze milhões/dia. Entregue ao mercado da indústria do entretenimento, a população brasileira entronizou a televisão como sua principal referência cultural e esse é um desafio ainda pouco enfrentado. 

Nesse momento, duas questões prioritárias tomam espaço na pauta televisiva: em primeiro lugar, discute-se a aproximação de um novo ciclo, agora com a adoção do equipamento digital, que implica um novo mercado de centenas de milhões de dólares para a indústria, e quando o telespectador, obviamente, entra apenas para adequar ou substituir seu equipamento em nome de novas maravilhas tecnológicas. Outro ponto importante é a criação de uma TV pública de dimensão nacional, algo que deixa os porta-vozes das emissoras comerciais de cabelo em pé e os principais executivos das redes “preocupadíssimos” com os gastos do governo com essa nova iniciativa. Sejamos razoáveis: a tecnologia digital é inevitável e espera-se no mínimo que haja bom senso na sua instalação e na escolha de modelos e padrões. Quanto à TV pública nacional, TV Brasil, ou qualquer que seja o seu nome, espera-se que configure um contraponto à TV comercial, que seja dotada de formas de controle social (conselhos, dotações transparentes, contratações idem etc. etc.) e que ofereça uma programação diferenciada. 

Em resumo, a questão é a seguinte: tecnologicamente, a TV brasileira passa bem. Mas agoniza na programação. No conteúdo! No controle social!

Inimá Simões
é jornalista e ensaísta

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