Já não vivemos em uma democracia

Já não vivemos em uma democracia
Francisco Goya, da série ‘Os provérbios’, 1746 a 1828 (Reprodução)

 

Publico aqui a orelha que escrevi para o livro Estado Pós-Democrático, de Rubens Casara, atualmente processado pelo CNJ por se posicionar contra o golpe.

A ideia de crise tornou-se um lugar comum que serve, sobretudo, como recurso retórico para ocultar as características do modelo atual de Estado. O caráter pós-democrático desse Estado refere-se ao fim dos direitos e das garantias fundamentais que se dá pari passu com o empobrecimento da subjetividade. Até poderíamos dizer que o Estado e o Sujeito se merecem se não estivéssemos diante de uma profunda transformação do sentido do Estado e da própria condição do sujeito.

A paradoxal permanência da crise, replicante e auto-reprodutiva, que coloca a democracia a equilibrar-se sobre um abismo, justifica todas as medidas governamentais e judiciais de exceção, os golpes de Estado e, por fim, o governo das próprias pessoas rebaixadas a consumidoras. O Estado de Exceção Permanente vem substituir o Estado Democrático de direito como se ele tivesse se tornado inútil. E ainda que isso possa ser espantosos para muitos, de fato, já não vivemos em uma democracia segundo os mais belos sonhos dos mais românticos utopistas, estamos na guerra de todos contra todos e quem não manejar suas armas se torna um simples “indesejável”.

É a partir da premissa do “falso caráter extraordinário do momento” que Rubens Casara, autor desse livro mais do que necessário à compreensão de nossa época, nos chama a pensar sobre o sentido da própria democracia nas condições do mercado, substituto da noção de vida no contexto da razão neoliberal.

Vítimas autocontentes dessa razão, muitos se entregam ao automatismo das práticas, despreocupados de pensar. Os cidadãos, inclusos os agentes do direito, perdem o discernimento e seguem fazendo o que se espera deles, que sigam mais uma vez os rumos preestabelecidos na grande farsa da democracia neoliberal à qual rebaixamos o ideal de uma sociedade justa.

Nos tempos em que as instituições se encontram corrompidas em seu próprio ser, quando a Constituição é aviltada a cada dia justamente por quem deveria zelar por ela, devemos prestar atenção à contribuição crítica de Rubens Casara. Sua análise do atual estado de coisas é inseparável de uma postura ética e corajosa como juiz de Direito na sustentação das regras do jogo democrático.

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