Conheça a Africanidades, livraria especializada em autoras negras
Logo da livraria Africanidades, especializada em literatura afro-brasileira (Arte: Patricia Abòrisá)
Alice Walker, Angela Davis, Jarid Arraes, Maria Firmina dos Reis e Noémia de Sousa são apenas algumas das autoras cujas obras estão à venda na Livraria Africanidades. Recém-inaugurada no bairro de Perdizes, em São Paulo, a loja reúne mais de 200 títulos de autoria negra e feminina, incluindo obras ficcionais, biografias, estudos e quadrinhos.
“O foco é a literatura que valorize a história e a memória das pessoas pretas, especialmente as mulheres. São livros que removem a alienação e que, portanto, reafirmam que toda produção literária é política”, define a bibliotecária Ketty Valencio, 34, criadora da livraria.
Seguindo a lógica da empreendedora, a maior parte das obras disponibilizadas pela Africanidades é da autoria de mulheres negras, grupo mais excluído do grande mercado editorial. Entre elas, há nomes brasileiros e internacionais; autoras de ficção e não ficção; biógrafas e quadrinistas; feministas e pesquisadoras: bell hooks, Futhi Ntshingila, Edwidge Danticat, Virgínia Bicudo, Kiusam de Oliveira e Jurema Werneck são alguns exemplos.
“É importante lembrar que, mesmo quando as pessoas negras conseguem conquistar um lugar na literatura, elas são hostilizadas. Ou então, só são ouvidas quando falam sobre racismo e vivências negras, o que também é uma violência enorme – deveríamos poder escrever sobre o que quiséssemos”.
Em menor quantidade, a Africanidades disponibiliza livros de autoras brancas, como Carol Rossetti, e de homens negros (como Marcelo D’Salete)- mas poucas obras escritas por homens brancos. Uma das únicas, aliás, é sobre a cultura das religiões de matriz africana: Culto aos Orixás, de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Valencio também dá preferência a livros publicados de forma independente: “Afinal, são obras com acesso dificultado, sem apoio de editoras ou de livrarias de grande porte”.
Inicialmente inaugurada em formato de site, a Africanidades abriu suas portas físicas no último sábado (9), dentro do Lá do Mato, espaço colaborativo para mulheres empreendedoras. Além da venda dos livros, a nova loja também será palco de oficinas de escrita criativa, clubes de leitura, cineclubes e saraus – tudo pensado para disseminar a leitura e o ato da escrita: “Eu gostaria que nós mesmos e nós mesmas pudéssemos contar nossas histórias. Quero que uma menina na periferia tenha a certeza de que, se ela quiser escrever, a história dela será publicada e lida por muita gente”, resume.
Feminista interseccional e pós-graduada em gênero e diversidade sexual pela Unifesp, Valencio conta que a inspiração para abrir a Africanidades veio de outras iniciativas semelhantes e mais antigas, como o Cadernos Negros (publicação independente que reúne poetas negros desde 1978), a Livraria Kitabu (do Rio de Janeiro, também especializada em cultura afro-brasileira) e o Mulheres Negras na Biblioteca (coletivo que, desde 2016, questiona a ausência de autoras negras nas bibliotecas). “Eu apenas peguei o bastão. Sou privilegiada de poder ter conhecido tantas pessoas admiráveis”, diz.
Ela afirma que, já na faculdade, percebia a disparidade entre autores negros e brancos, homens e mulheres no mercado editorial – não porque faltassem autores negros e escritoras do sexo feminino, mas porque a distribuição de suas obras ficava muito restrita, dando a impressão de que eles não existiam. Portanto, trazer estas vozes à tona, como faz a Africanidades, é essencial para fazer despertar a consciência da força que existe na população negra.
“Eu só sou preta por causa do olhar do branco. Foram os brancos que criaram a história de que nós, negros, somos subalternos. Temos que tomar distância dessa visão, e isso só pode ser feito se ouvirmos as nossas palavras”, conclui.
(1) Comentário
A literatura é, em sua maioria, branca, precisamos trazer mais cores para esse universo.