Guerra, juventude e América

Guerra, juventude e América

O resto do mundo atualmente vê os EUA como um agressor horrível, mas a juventude do país está tentando, com toda a força, mudar essa situação

Guerra é um difícil tema para o debate. É o tipo de assunto que toca sempre na mais profunda das emoções. Ao menos nos Estados Unidos, isso é uma verdade. Quando falamos de guerra e América muitas coisas aparecem na mente. A primeira a surgir no pensamento da maioria dos norte-americanos é o fato de sermos a superpotência de todos os mundos. Não existe outra nação que pode se opor a nós no que se refere ao poder militar. Participamos de guerras muitas vezes em nossa curta história e apenas uma vez tivemos de ceder, como no Vietnã. Em todas as outras, fomos, de maneira indiscutível, os vencedores. O que isso provoca no pensamento da juventude norte-americana de hoje? Como eles se relacionam agora com a idéia de guerra, quais são os assuntos que parecem estar ocupando um largo espaço entre a juventude do país?

Nos Estados Unidos, neste momento, está acontecendo uma guerra, uma guerra que não terá fim, uma “guerra” contra o terrorismo. A administração Bush declarou guerra contra um inimigo invisível. Esse inimigo é alguém que mora ao lado, está nas ruas, na cidade vizinha e também em outros países. Essa é uma guerra como nenhuma outra.

Em 11 de setembro de 2001, Bush disse que uma guerra foi decretada contra os Estados Unidos e que nós deveríamos agir “rápida e decisivamente” para neutralizar os agressores malévolos. Quando as Torres Gêmeas caíram, todos pareciam acreditar, em razão de declarações emocionadas e da manipulação, que os EUA estavam em guerra e que não poderiam calmamente esperar que os terroristas saíssem desse ato de guerra sem uma resposta. Em semanas, os jatos norte-americanos começaram os bombardeios sobre o deserto do Afeganistão. Após poucos meses de ataques, e da descoberta da localização dos agressores que estávamos procurando, Bush voltou seu olhar para outra nação. Enquanto a maioria dos americanos ainda queria que Usama Bin Laden fosse encontrado, porque ele foi aquele que parecia ter planejado os assassinatos nas Torres Gêmeas, Bush iniciou sua propaganda contra o Iraque e Saddam Hussein.

Enquanto a maioria dos norte-americanos queria algum tipo de resposta aos ataques de 11 de setembro, a guerra que foi lançada contra o Iraque é um pouco mais difícil de ser aceita. Mas, no início, não era essa a situação. Quando Bush anunciou seus planos de guerra contra o Iraque, ele usou palavras fortes e, até onde o país sabia, havia evidências de que Saddam possuía as Armas de Destruição de Massa (ADM). A mídia mostrou ao público americano detalhados mapas de onde estavam localizadas, no interior do Iraque, as ADM, com círculos vermelhos e amarelos desenhados sobre áreas que continham as ADM ou sobre áreas nas quais armas nucleares estavam sendo desenvolvidas. Quando o povo americano recebeu essa informação, a resposta foi unificada, vinda de todas as partes: Saddam deve ser contido.

Os problemas começaram a surgir quando, após meses de batalhas e morte, nenhuma arma havia sido descoberta. O que aconteceu? Antes de iniciarmos nosso ataque ao Iraque, sabíamos com certeza onde as armas estavam e, agora que estávamos efetivamente lá, não conseguíamos achar as armas. A população começou a se perguntar: “Mentiram para nós?”. Quando todos os fatos vieram à tona, isso, na verdade, foi o que aconteceu. Bush e sua administração manipularam a evidência contra o Iraque a fim de ter apoio para a guerra. Esse é o ponto no qual a juventude americana começou a retirar seu apoio a qualquer ação contra o Iraque.

 Esse não foi apenas o momento no qual a juventude questionou a guerra contra o Iraque. Antes de qualquer batalha ter começado, havia uma minoria de estudantes que protestaram contra a guerra que estava sendo planejada. Havia muitas razões para esses protestos, mas a principal delas era o fato de muitas vezes Bush ter sugerido que o Iraque apoiava Usama Bin Laden e sua organização terrorista. O único problema com essa afirmação era que Saddam e Usama não tinham laço nenhum. Não havia nenhuma aproximação, mas Bush usou essa idéia para calçar seu caminho para a guerra contra o Iraque. Os estudantes parece terem sido um dos primeiros a perceber isso, não aceitando a afirmação como verdade, e passaram a levantar suas vozes para mostrar o desacordo.

Depois de os fatos sobre as ADM terem sido divulgados, e Saddam e Usama se mostrarem sem ligação, muitos americanos se juntaram aos estudantes em seus protestos. A questão que eu gostaria de discutir é: por que a juventude norte-americana viu essas falsidades antes do resto da população dos EUA?

Eu acredito que a razão é essa: na América de hoje, o pensamento pós-moderno sustentou a reivindicação da juventude. A filosofia de muitos estudantes hoje parece ser a do pluralismo e da ironia. Pós-modernismo define que as pessoas são apenas o que a cultura faz delas, e as únicas opções que possuem são aquelas encontradas em suas respectivas culturas. Agora, isso não significa afirmar que as ações terroristas contra os Estados Unidos são justificáveis simplesmente porque os que cometeram esses atos estavam fazendo o que suas culturas oferecem, mas dizer que, como americanos, nós não temos autoridade para forçar outro país a ser como o nosso. Algo que parece estar acontecendo no Iraque; a juventude vê isso e está em profundo desacordo.

 Enquanto seres pluralistas, a juventude nos Estados Unidos entende a si mesma como um ser irônico. Ironia determina que uma pessoa tem uma cultura que pensa ser a que representa o melhor. Enquanto acredita nisso, ela entende que outras pessoas vêem suas culturas como representantes do melhor; logo, nós não temos nenhuma autoridade para dizer a elas que estão erradas em seu próprio contexto. Elas podem estar erradas em nosso contexto ou cultura, mas elas estão também completamente certas. Isso é o que cria para a juventude norte-americana reservas no que diz respeito a uma guerra contra uma país que nós simplesmente queremos fazer a nossa imagem e semelhança.

Assim, associado com o fato de que a juventude ouviu uma mentira, nós podemos ver por que há um desacordo com a guerra e particularmente com a guerra na qual estamos atualmente envolvidos.

A cultura popular parece também estar se voltando para um movimento antiguerra, na música e no cinema. Essas áreas da cultura norte-americana representam os sentimentos da juventude, mas também, de muitas maneiras, ajuda a influenciá-la. Muitas bandas de rock, contemporâneas, como a agora falecida Rage Against the Machine, e uma outra, atualmente nas paradas, Incubus, têm expressado seus pontos de vista sobre o modo como os EUA têm sido guiados pelo atual governo e como a guerra tem sido tratada. Essas bandas são apenas dois exemplos, dentre muitos artistas da música que são influentes e que têm inspirado a juventude americana.

Outra área da cultura popular que está recebendo muita atenção é o cinema. Uma das maiores figuras no campo político dos filmes é Michael Moore. Moore é o diretor e a estrela de Bowling for Columbine (premiado com Oscar) e que recentemente lançou um novo filme chamado Fahrenheit 9/11, mostrando a administração Bush por uma nova perspectiva, um notável contraste em relação ao que a América consegue saber pela mídia.

Michael Moore é uma poderosa voz contra a direita americana. Seu último filme começa afirmando que George W. Bush roubou a eleição, que Bush não foi eleito pelo povo americano, mas pela ala do Legislativo do governo. A juventude da América, acredito, vê isso como verdade; Bush perdeu o voto popular, mas em razão do Colégio Eleitoral (que é como os votos são contados nos EUA), a presidência foi tomada de Al Gore. Se nós olharmos isso no contexto que constitui uma guerra justa, e levando em consideração a guerra na qual estamos agora, concluiremos que Bush não teve condição nem mesmo de declarar guerra.

Uma guerra justa pode apenas ser declarada por um autêntico/eleito presidente ou líder; e a eleição do presidente Bush continua em discussão. Se Bush perdeu realmente a eleição e tomou o poder sem o consentimento do povo, então a juventude da América tem o direito de se perguntar se Bush tinha autoridade para declarar qualquer tipo de guerra. Essa é a afirmação subterrânea que Moore faz no início de Fahrenheit 9/11, uma que, acredito, a juventude americana está de acordo.

Outro tema debatido por Moore é a questão: “por que estamos ocupando o Iraque?”. Isso levanta outro ponto entre os critérios para uma guerra justa. Se a guerra deve ser justa, não pode ser feita em nome de razões egoístas. No momento em que escrevo, uma das maiores questões é se Bush foi ou não motivado a fazer a guerra apenas para se apoderar das reservas de petróleo iraquianas. Moore afirma que Bush tem forte ligação com a família de Bin Laden na Arábia Saudita. A razão para essa amizade é o petróleo.

Sabemos que Bush é um magnata do petróleo, e todo seu dinheiro foi feito na indústria do petróleo. O Iraque possui a segunda maior reserva de óleo no mundo, e é fácil afirmar que Bush quer apenas o petróleo iraquiano e fará qualquer coisa para conseguir isso. Voltando à questão dos critérios para uma guerra justa, se é verdade que Bush mentiu para os norte-americanos sobre as ADM no Iraque para ter apoio para o ataque a fim de ganhar o controle sobre o petróleo, então Bush declarou a guerra por motivos egoístas. Se ele fez isso, então a guerra não pode ser justa. A juventude vê isso como verdade e discorda da guerra por esse motivo.

Nos Estados Unidos há um estranho sentimento, o de que acontece algo com a juventude que não ocorria há muitos anos, e que os jovens estão agindo juntos em cada avenida disponível com a intenção de mudar o que está acontecendo agora. Em razão da visão pós-moderna que possuem, e das mentiras que o atual governo tem contado a eles, os jovens da América estão se opondo à violência desnecessária contra pessoas inocentes. O resto do mundo atualmente vê os EUA como um agressor horrível, mas a juventude do país está tentando, com toda a força, mudar essa situação.

Tradução: Marcelo Rezende

Cody Carr
filósofo norte-americano, pesquisador do Pragmatism Archive – Oklahoma State University

(2) Comentários

  1. Religiosidade, surto de crenças, tornando as pessoas em sonâmbulos à mando de déspotas, acaba de vez com qualquer sociedade,e até com civilizações.
    Os EUA viraram uma bolinha de pingue-pongue nas mãos de deus e do diabo; enriqueceram padres, pastores, gurus, magos, e agora estão à deriva, com medo do terror que espalharam.
    Pregam a vigia sem escrúpulo algum, de todos contra todos, e vão se esgotando como nação.
    Se os sem-crenças não agirem, um país belo, vai acabar triste, com uma deprimente história, nos anais da civilização humana, se nós conseguirmos tb de algum jeito nos livrar. Mas a consciência acaba com covardes, é o que temos esperança.

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