Arcas de Babel: Francesca Cricelli traduz Jolanda Insana
Francesca Cricelli: A palavra poética, para Jolanda Insana, é algo sempre consumido por uma fome (Fotos: Jade Gadotti e Dino Ignani)
A poesia leva ao que há de mais singular em cada língua e desafia a experiência da tradução. Entretanto, muitas e muitos poetas traduzem, e às vezes a escrita poética surge junto com um olhar estrangeiro para a própria língua, vem com a consciência de sua singularidade, entre tantas outras. Esse estranhamento intensifica as forças de transformação no interior das línguas, estendendo seus limites, ampliando seus horizontes. E nunca precisamos tanto dos horizontes que a poesia projeta, agora que uma nuvem pesada encobre perspectivas de futuro… Talvez traduzir poesia seja um modo de contribuir para a construção, não de uma torre, mas de uma ponte ou de uma arca utópica que nos ajude a atravessar o dilúvio. Que nela, aos pares, as línguas se encontrem, fecundas.
A série Arcas de Babel acolhe semanalmente traduções de poesia e está aberta também a testemunhos sobre a experiência de traduzir.
Nesta décima quarta edição, a poeta, tradutora literária e pesquisadora Francesca Cricelli nos leva à Sicília, trazendo do italiano um longo poema narrativo de Jolanda Insana (1937–2016), poeta que ela também apresenta.
Francesca Cricelli é doutora em Letras Estrangeiras e Tradução pela Universidade de São Paulo (USP). Como poeta, publicou os livros Repátria (Demônio Negro, 2015), 16 poemas + 1 (edição de autora, 2017, 2018), As curvas negras da terra (Nosotros, 2019) e Errância (Macondo, 2019). Traduziu Elena Ferrante, Igiaba Scego, Jhumpa Lahiri e Claudia Durastanti, entre outras. Vive em Reykjavík, a capital mais ao norte do mundo, onde estuda língua e literatura islandesa.
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Jolanda Insana nasceu em Messina. Formou-se em Letras e escreveu sua tese sobre a poeta grega Erina. Em 1968, mudou-se para Roma e viveu na capital italiana até seu falecimento. A palavra poética, para Jolanda Insana, é algo sempre consumido por uma fome, mordida pela armadilha da história, segundo o poeta Giovanni Raboni. Uma história pessoal e coletiva. O poema traduzido, “La pietanza votiva”, abre a coletânea La tagliola del disamore (“A armadilha do desamor”) publicado em 2005 pela editora Garzanti. A mãe é personagem recorrente em seus versos e nesse longo poema surgem lembranças de uma infância fragmentada, atravessada pelos acontecimentos históricos, onde há o encontro sutil entre a língua italiana e formas dialetais do siciliano.
Tecendo esse caminho, Jolanda Insana parece criar uma biografia para a sua mãe, conferindo voz a quem não a teve. Vida e morte estão presentes e entrelaçadas em tudo aquilo que ela escreve. No livro Sciarra Amara, a poeta anuncia: “sou marionetista / e faço teatrinho com só duas bonecas / ela e ela/ ela se chama vida/ e ela se chama morte/ a primeira, por assim dizer, tem culhão/ a segunda bocetinha/ e quando acontece que penetração ocorre/ a vida até morre de prazer […]”, e parece carregar essa força de sua formação clássica e do seu ofício de tradutora: verteu ao italiano Safo, Plauto, Eurípides, Alceu, Anacreonte, Hiponate, Calímaco, Lucrécio, Marcial e o medievalista Andrea Cappellano. Sua poesia ainda é pouco conhecida no Brasil: comecei a traduzi-la durante uma oficina de intelecção e tradução literária, com meus alunos, na Casa Guilherme de Almeida. – Francesca Cricelli
A IGUARIA VOTIVA
trepada num banquinho
por detrás da porta-janela da sacada estreita
os vê passar
aliás não os vê passar
os vê
arrastando cada um o seu fardo
eles se apressam febris e tropeçam
impelidos por varas e alvoroços
no recinto do leprosário
erguido num triz
com quatro hastes e o céu como teto
no monte da Imaculada
a via crucis dos dias de Páscoa
com Gólgota no cimo
são os pestiados
os enfermos de espanhola
e batem os dentes e rangem e gemem
animais chorosos
muito recalcitrantes
levados ao matadouro
ouço e sou pequenina
menor do que ela
que em ‘18 tinha onze anos
e não entendo do que está falando
quem é a espanhola e o que ela faz
para que sadios façam
tantos maus-tratos
feitos a plenos pulmões
e tenho medo
porque conheço os martirizados pelos bombardamentos
encurralados sob os destroços gritantes
como fingir não lembrar da decadência
dando água às flores?
como não delirar com o grito do alarme antiaéreo?
tinha dias jovens na cabeça
e desenrolando a meada extenuada das retaguardas
expirava sobre os pesos e puxava a carroça
era órfã e farejava os temperos
e procurava alguém procurava
e depois não havia ninguém para tirar a carga
colhia margaridas no campo nos fundos da casa
e na mãe adorava o filho crucificado
a cada badalada da Ave
o suspiro fundo de quem arqueja
e um versinho de salmo
assim confiava à Mãe as angústias
os pulsos trêmulos e a queimação que fura o estômago
eu construía castelos e sacadas
com estilhaços de bombas e fios de ferro
gravetos queimados e material de demolição
mas nada estava atarraxado
e todo dia eu refazia o mesmo castelo
a mesma sacada
Angelo era o mais novo
veio depois de três meninas e os dois meninos
de nome Pietro mortos os meninos
desmontava os despertadores procurando as horas
nos encaixes das engrenagens
o filho e as filhas agarravam-se nas roupas dela
e queriam leite queriam pão queriam
até que cansada de tanto afastá-los
corria-os com o papa-moscas
após as primeiras águas de agosto
sob a chuva partimos para uma expedição
em direção à fenda do rio[1]
e as margens argilosas de vinhedos e jardins
ela é o guia que nos segue
transtornada por tantos pés pisoteantes
cabeças acelerantes e bocas vociferantes
– o pequeno exército de carnívoros
à procura de caracóizinhos verde-azeitona
que presos dentro de casa embaixo da terra
quebraram a porta do sono
e se encaminharam sobre os troncos e fios
do próprio destino
prisionerios cagam e babam nos cabazes
e em fuga da água fervendo
na panela estremecem e boiam
e ela não pestaneja
pois são nutritivos e as crianças comem
mas ela nem experimenta
escuta e silencia roendo as tripas
e quando o peso se faz excesso de peso
e a injustiça cavalga despida na sela
invocando seus santos e suas marias
endemoniada grita
e joga-se contra o aventureiro bastardo
com guarda-chuvas tridentes e panelas
não entendo o que aconteceu
o vendedor de guarda-chuvas fugiu correndo
deixando na soleira talas e capa
estava podre de bêbado
me explicou
e não dizia palavra
dizia vinho e da boca cuspia borra
com as talas farei pipas
consolava a mim mesma e tremia
com a chuva e a canícula
o solzão e o vento tramontano
todo dia descia do vilarejo
à chácara no rio de Monteforte
celeiro e horta
pomar e galinheiro
é lá em Santa Caterina onde surgiu a primera espiga fértil
da infância de guerra protegida pelo deus dos sitiados
que nas pausas comatosas sonha em ficar e fazer
com os pés esfolados dentro dos tamancos
dava voltas entre as estopas e escavava e coçava
para encontrar as cebolas e castanhas da terra
que tostadas em rápida chama de capim seco
eu abria e comia
seis vezes engravidou
e desengravidou seis vezes
com as unhas assolava-se
a pele sem rugas
era alta e marchava rapidamente
dentro do sapato 42
porque sempre andava depressa
tendo tantas bocas para alimentar
e mais tantas cuecas para remendar
e bundas para lavar e balbúcios para entender
febres a serem medidas e colheradas de óleo
de fígado de bacalhau para fazer engolir
eu olhava-a debaixo e não a reconhecia
quando me apanhava feito um pássaro
é o dia mais curto
e sempre escuro
e pela luz dos olhos
faz votos à virgem de Siracusa
mostra as mais belas e jamais vistas relíquias
não é jejum
o que nos impõe
mas não se come nem pão nem macarrão
no dia de santa Luzia
e voltando da escola
nos anos do pós-guerra
me parece bom o arroz quente com grão de bico
a iguaria votiva no prato posto à mesa
que hoje não comerei
porque não há quem o prepare
para si e para mim
a vida é dura dizia
e não é fácil durar
sem querer inquinar-se
para vender a alma e a bunda
e a sua foi uma verdadeira vida de mula
abarrotados indultados perdoados e desmemoriados
não sabemos ler as horas
no quadrante do céu
e com os pulsos serrados
e os traços tesudos
mais murchos do que um figo sem graça
deliramos na armadilha cotidiana
do desamor
quantas roupas lavou
quantas ervilhas e favas descascou
quanta bílis engoliu
quantos filhos da puta aguentou
quanta necrofilia recusou
e quanta força mobilizou contra a impostura
e nenhuma descompostura endireitou
ovário que ativa no vazio todos os seus cartuchos
e no escuro não encontram ponto de apoio
e escorrem e acabam no sangue
estéreis voluntárias ou involuntárias
não fabricam filho nenhum
porque debruçadas sobre o poço bélico
não queriam carne nem para o abate nem para biscate
e depois veio a geração
que em fuga se contamina e caga vida
e o mundo morre de pestilência
vinte milhões de mortos pestiados
em vinte anos
aos montes chegavam as vendedoras ambulantes[2] a negociar
com odres de azeite atados às saias
ou camuflados entre cebolas e grandes cestos
carregados na cabeça
e ela o barganhava com o sal
que do outro lado do Estreito não era monopólio do Estado
e com açúcar empacotado num papel azul
barganhado por sua vez com o marsala
eu olhava-as pasma por tanto vigor e maestria
e pela ensolarada reviravolta sardônica
dentro dos tecidos pretos esvoaçantes
com bainhas de cristas vermelhas
quando chegava a polícia
é a galinha chocadeira que protege os pintinhos e a ninhada
ataca os forasteiros e joga-se com as garras à mostra
mas não nos segura no galinheiro
e sob suas roupas nos carrega
entre mato fossas e bosques
para a colheita sazonal
de cebolinhas e aspargos
amoras e lírios
nunca nos deu carne de cachorro
gostoso o omelete de aspargos selvagens
com aquela pitada de amargo
metida no meio do pão
sente dizia
sente o perfume dizia
do perfume se reconhece o inimigo e quem te quer bem
mas não coloque as mãos na boca
depois de ter tocado flores e folhas de oleandro
aprendi isso como enjeitada e faço bem o omelete
no fim das contas tudo deu certo
mas não lhe faltou engolir
sabe-se qual porcaria
como a garrafinha de sedativo
achando que fosse purgante
que jogou-a uma vez e outra num torpor delirante
e falou-se de ataques de isquemia
era às escondidas dela
essa coisa que chamam eutanásia?
em cada recaída
nada nada respondia alguém
talvez lhe fez mal o mercúrio do peixe-espada
insistindo que eu voltasse de onde vinha
porque tudo estava bem
e ela não falava
no delírio invocava a mãe
e com os braços inertes escorraçava a filipina
e algo dizia dizia algo
que era boa a sopinha da Annamaria
a neta amorosa
para dizer que não queria comida de outras mãos
a vida toda pagou as dívidas
que não devia
e resmungando palavras de conforto
fazia as pazes con a terra tempestuosa
e preparava-se para a viagem noturna
com a luz acesa
porque temia os monstros do dia e do engano
e nunca foi rancorosa
eu também não queria dormir no escuro
quando a lua não chegava à persiana
chega de arrastar esse tormento
quero morrer dizia
e arrastava os pés
e sozinha já não descia da cama
mas sei que não queria morrer
e sonhava em voltar à fundura
do casebre[3] onde plantava flores e frutos
as cerejeiras bravas da sua infância
inocente
não tinha outras culpas para expiar
e pelos filhos aceitava as açoitadas do patrão
as surras violentas do marido que voltava
com a pança cheia e o pau retorcido
e não raciocinava e sofista encontrava todo pretexto
para trazer o bordel para dentro de casa
se esses são os pais e são o horror
a vida deve ser interrompida antes que tenha nome
e tamanha era a violência que não havia nem como
nem coragem para falar
apaixonada por um garoto do campo
disse que não ao peralta da cidade
fugido por uma história de putas e facas
mas ela não sabia disso e de todo modo não gostava dele
o pintarroxo gracioso e voraz da cidade
mas repentinamente voltou o cidadão ávido e magrelinho
e na estrada de Bafarìa tomou-a
e em lágrimas casou-se com ele
por amor declarou à polícia
mas a forçou a consentir e nunca deixou de traí-la
até a última gota de água fresca
e depois que já não era amor mas forca
a corda preparada com suas próprias mãos
amarrou-a no pescoço da mulher
e barranqueou as filhas
nunca nunca entender cedo demais
depois os cortes e cisuras fazem pus
Electra apaixonada perdoou o pai
e não vingou a irmã massacrada
sobre a ara desconsagrada
mas eu eu?
violentada filha
porque filha de mãe violentada
…
faz muito frio inverno de ’44 e neva em Monforte
e não temos sapatos
e ela nos resguarda na sua casa de solteira
ao redor do braseiro aceso
os pés enfiados nas meias peludas
que tricota com lã cardada dos colchões
com frieiras nos dedos das mãos
nos deixa brincar de fazer o pão e baluddi[4]
as lasanhas de água e farinha
ou o macarrão ferruzzo[5]
que tempera com molho de torresmo de porco
eu entendia e não entendia sua lição
nunca depender nunca de ninguém
e desmamar cedo e se preparar
porque do céu chega granizo
mas se algo bom chega
agradecer e não esquecer
e eu na cinza quente jogava
os grãos debulhados do sabugo
que se abrem em corolas brancas de ouro
e na salada de laranja e limão
às poucas gotas de azeite eu acrescentava colheres
de vinagre e muito sal e hortelã
o pão duro amolece e fica saboroso
chorou uma só lágrima
pelo olho direito
por um instante mortalmente azul
e fechou a boca
mais eu não digo mã
dona Maria
matri bedda[6]
matri ranni
[1] Fiumara é um nome para rios quase secos típicos do sul da Itália, de margens amplas, muito terrosos, quase secos o ano inteiro e muito cheios durante o período de chuvas.
[2] Bagnarotte: nome dado às mulheres de Bagnara (na Calábria), mas também usado para descrever as trabalhadoras com suas bancas de produtos, vendedoras ambulantes.
[3] Fondachello: palavra usada no sul da Itália para indicar um casebre ou uma moradia no subsolo.
[4] Pãezinhos de farinha de milho típicos da Sicília.
[5] Tipo de macarrão do sul da Itália, curto e com um furo no meio.
[6] Bela mãe.
***
LA PIETANZA VOTIVA
arrampicata su uno sgabello
dietro la portafinestra dello stretto balcone
li vede passare
anzi non li vede passare
li vede
strascinando ciascuno il proprio fardello
che s’affrettano infebbrati e inciampano
sospinti da pertiche e strepiti
ai recinti del lazzaretto
alzato nel giro di niente
con quattro assi e il cielo a tetto
sul monte dell’Immacolata
la via crucis dei giorni di Pasqua
con il Golgota in cima
sono gli appestati
i malati di spagnola
e battono i denti e stridono e gemono
animali belanti
molto recalcitranti
portati al macello
ascolto e sono piccola
più piccola di lei
che nel ‘18 aveva undici anni
e non capisco di che parla
chi è la spagnola e cosa fa
per fare fare ai sani
tutti i maltrattamenti
che fanno a squarciagola
e ho paura
perché conosco i martoriati dei bombardamenti
intrappolati sotto le macerie urlanti
come fare finta di non ricordare lo sfacello
dando l’acqua ai fiori?
come non delirare all’urlo dell’allarme antiaereo?
aveva giorni giovani in testa
e srotolando la matassa languinosa delle retrovie
soffiava sui pesi e tirava la carretta
era orfana e fiutava gli odori
e cercava qualcuno cercava
e poi non c’era nessuno a togliere la soma
raccoglieva margherite nel campo dietro casa
e nella madre adorava il figlio crocifisso
a ogni rintocco dell’Ave
il sosprio profondo di chi boccheggia
e un versetto di salmo
così affidava alla Madre le angustie
i polsi tremanti e il bruciore che buca lo stomaco
io costruivo castelli e balconi
con schegge di bombe e fili di ferro
legnetti bruciati e terriccio di riporto
ma niente era avvitato
e ogni giorno rifacevo lo stesso castello
lo stesso balcone
Angelo era il più piccolo
venuto dopo tre femmine e i due maschi
di nome Pietro morti bambini
smontava le sveglie cercando le ore
negli incastri e nelle rotelle
il figlio e le figlie si aggrappavano alle sue vesti
e volevano latte volevano pane volevano
finché stanca di tanto sciamare
non li scacciare con il moscarolo
dopo le prime acque d’agosto
alla spiovuta si parte in spedizione
per il cretto della fiumara
e i costoni argillosi di vigne e giardini
lei è la guida che ci segue
frastornata da tanti piedi scalpiccianti
teste scattanti e bocche vocianti
– il piccolo esercito di carnivori
in cerca di lumachelle verdeoliva
che intoppare dentro casa sottoterra
hanno rotto la porta del sonno
e s’incamminano sui tornchi e sui fili
del proprio destino
prigioniere cacano e sbavano nei panieri
e in fuga dall’acqua bollente
nella pentola fremono e aggallano
e lei non batte ciglio
poi che sono nutrienti e i bambini mangiano
ma lei manco assaggia
ascolta e tace rodendosi le budella
e quando il peso diviene sovrappeso
e l’ingiustizia in sella cavalca sbracata
invocando i suoi santi e le sue marie
indemoniata urla
e s’avventa contro l’avventuriero bastardo
con ombrelli forconi e padelle
non capisco cos’è successo
l’ombrellaro è scappato di corsa
lasciando sulla soglia stecche e mantello
era ubriaco fradicio
mi spiegò
e non parlava parole
parlava vino e dalla bocca sputava feccia
con le stecche farò acquiloni
mi consolavo e tremavo
con la pioggia e la canicola
il sollone e la tramontana
ogni giorni dal paese scendeva
al podere nella fiumara di Monforte
granaio e orto
frutteto e pollaio
è lì a Santa Caterina dove spuntò la prima fertile spiga
dell’infanzia di guerra protetta dal dio degli assediati
che nelle pause comatose sogna di stare e fare
coi piedi scorticati dentro gli zoccoletti
giravo tra le stoppie e scavavo e gratavo
per scovare le cipollose castagnette di terra
che scottate alla rapida fiammata d’erba secca
sgusciavo e mangiavo
sei volte ingravidata
e sgravidata sei volte
con le unghie si dilaniava
la pelle senza rughe
era alta e marciava veloce
dentro scarpe 42
perché andava sempre di fretta
avendo tante bocche da sfamare
altrettante mutande da cucire
e culi da lavare e balbettii da capire
febbri da misurare e cucchiaiate d’olio
di fegato di merleuzzo da far inghiottire
io la guardavo dal basso e non la riconoscevo
quando m’acciuffava come un passero
è il giorno più corto
e sempre cupo
e per la luce degli occhi
fa voto della vergine che a Siracusa
mostra i più bei reliquiari mai visti
non è digiuno
quello che ci impone
ma non si mangia pane né pasta
nel giorno di santa Lucia
e tornando da scuola
negli anni del dopoguerra
affamata e infreddolita
trovo buono il caldo riso coi ceci
la pietanza votiva nel piatto apparecchiato
che oggi non mangerò
perché non c’è chi lo prepari
per sé e per me
la vita è dura diceva
e non è agevole durare
non volendosi inchinare
a vendere l’anima e il culo
e fu la sua una vera vita da mulo
rimpinzati ingianduiati e smemorati
non sappiamo leggere le ore
sul quadrante del cielo
e con i polsi segati
e i tratti arrappati
più vizzi di fico senza umore
deliriamo nella quotidiana tagliola
del disamore
quanti panni che ha lavato
quanti piselli e fave ha sgusciato
quanta bile che ha ingoiato
quanti stronzi ha sopportato
quanta necrofilia che ha rifiutato
e quanta forza contro l’impostura ha dispiegato
e nessuna stortura ha mai raddrizzato
ovaio che spara a vuoto tutti i suoi bossoli
e nel buio non trovano appiglio
e scivolano e finiscono in sangue
sterili volontarie o involontarie
non fabbricano nessun figlio
perché affacciate al pozzo bellico
non volevano carne né da macello né da bordello
e poi venne la generazione
che in fuga s’ammorba e caca vita
e il mondo muore di pestilenza
venti milioni di morti appestati
in vent’anni
a frotte arrivavano le bagnarotte la fare intrallazzo
con otri d’olio legati sotto le gonne
o camuffati da cipolle nelle grosse ceste
caricate sulle teste
e lei lo barattava con il sale
che al di qua dello Stretto non era monopolio di Stato
e con zucchero incartocciato in carta azzurra
barattato a sua volta con il marsala
io le guardavo stupita di tanto vigore e maestria
e del ridente volteggio beffardo
dentro gli svolazzanti panni neri
orlati di creste rosse
all’arrivo dei finanzieri
é la chioccia che protegge i pulcini e la covata
assalta i foresti e si slancia con gli artigli aperti
ma non ci tiene nel pollaio
e sotto le sue vesti ci trascina
tra macchie fossi e boschi
per la raccolta stagionale
di cipollotti e asparagi
more e fiordalisi
la carne di cane non ce l’hai mai data
buona la frittata di asparagina
con quel pizzico d’amarognolo
incucchiata in mezzo al pane
senti diceva
senti il profumo diceva
dal profumo si riconosce il nemico e chi ti vuole bene
ma non mettere le mani in bocca
dopo aver toccato fiori e foglie d’oleandro
ho imparato da sfollata e mi riesce bene la frittata
tutto sommato le andò bene
però poi non mancò d’ingollare
chissà quale porcheria
come la boccetta di sedativo
scambiato per purgativo
che la gettò e rigettò in un sopore delirante
e si parlò di attacchi d’ischemia
era a sua insaputa
quella cosa che chiamano eutanasia?
a ogni ricaduta
niente niente rispondeva qualcuno
forse gli ha fatto male il mercurio del pescespada
insistendo che me ne tornassi da dove ero venuta
perché tutto era a posto
e lei non parlava
nel delirio invocava la madre
e con le braccia inerti scacciava la filippina
e qualcosa diceva diceva qualcosa
che era buona la pastina di Annamaria
l’amorosa nipote amata
per dire che non voleva cibo da altre mani
per tutta la vita ha scontato debiti
che non doveva
e borbottano parole di conforto
faceva pace con la terra tempestosa
e si preparava al viaggio della notte
con il lume acceso
perché temeva i mostri del giorno dell’inganno
e non fu mai rancorosa
anch’io non volevo dormire al buio
quando la luna non arrivava alla persiana
basta con questo strascico di strazio
voglio morire diceva
e strascicava i piedi
e da sola non scendeva più dal letto
so invece che non voleva morire
e sognava di tornare allo sprofondo
dal fondachello dove mette fiori e frutti
il ciliegio maiatico della sua infanzia
innocente
non aveva altro che colpe da ostendere
e per i figli accettava le fustigate del padrone
le nerbate orbe del marito che rientrava
con la pancia pienta e il cazzo strizzato
e non ragionava e sofistico trovava ogni pretesto
per portare il bordello dentro casa
se questi sono i padri e sono orrore
la vita va stroncata prima che prenda nome
e tale era la violenza che non c’era né modo
né coraggio di parlare
innamorata d’un ragazzo di campagna
fece rispondere no allo zerbinotto di città
scappato per una storia di puttane e coltelli
ma lei non lo sapeva e comunque non gli piaceva
il pittirro gracile e vorace di città
ma all’intrasatto tornò il citadino avido e mingherlino
e sulla strada di Bafarìa la rubò
e lacrimando lo sposò
per amore aveva dichiarato ai carabinieri
ma le aveva fatto dire sì e per tutta la vita la tradì
fino all’ultima goccia d’acqua fresca
e poi che non era amore ma capestro
incordato con le sue stesse mani
lo gettò al collo della moglie
e incaprettò le figlie
mai mai capire troppo presto
poi che tagli e squarci fanno pus
Elettra innamorata perdonò il padre
e non vendicò la sorella scannata
sull’ara sconsacrata
ma io io?
violata figlia
perché figlia di violata madre
…
é freddissimo inverno del ’44 e a Monforte nevica
e non abbiamo scarpe
e lei ci tiene al riparo nella sua casa di ragazza
attorno al braciere acceso
i piedi infilati nei calzerotti pelosi
che sferruzza con la lana cardata dei materassi
con geloni alle dita delle mani
ci fa giocare la fare il pane e la baludda
le lasagne acqua e farina
o i maccheroni col ferruzzo
che condisce con il sugo di cotiche di porco
capivo e non capivo la sua lezione
mai dipendere mai da nessuno
e svezzarsi presto e allenarsi
perché dal cielo arriva grandine
ma se qualcosa di buono arriva
ringraziare e non scordare
e io nella cenere calda gettavo
sgranati chicchi di spanocchia
che si aprono in corolle bianco oro
e nell’insalata di arance e limoni
la scarse gocce d’olio aggiungevo cucchiai
d’aceto e tanto sale e menta
e il pane duro più s’ammolla e s’insapora
pianse una sola lacrima
dall’occhio destro
per un istante mortalmente azzurro
e serrò la bocca
più non dico o ma’
donna Maria
matri bedda
matri ranni