A filosofia como preparação para a morte
Platão entendia a filosofia como preparação para a morte, tema que reaparece no ensaio “Que filosofar é aprender a morrer”, de Montaigne, cujo título evidencia, portanto, uma leitura da tradição. O entendimento desse tema pelo pensador francês é, todavia, bem distinto daquele presente no Fédon, antes de tudo por se dar à luz as correntes do pensamento helenístico. Montaigne, pois, dialoga basicamente com os estoicos e com os epicuristas latinos, cujas filosofias são uma ética da salvação e da realização individuais, vazada em receituários de comportamento e códigos de reflexão, nos quais o enfrentamento da morte é a pedra de toque da vida feliz, inseparável da tranquilidade da alma.
Este ensaio é, todo ele, construído com argumentos e noções filosóficas helenísticas, sobretudo de Sêneca, pois Montaigne pretende nos ensinar a não temer a morte e a nos familiarizarmos com ela, que “é o objetivo de nossa caminhada”, “o objeto necessário de nossa mira”. Tal insistência nasce da constatação de que os homens, em geral, alimentam a ilusão de que a morte está distante deles, já que diria respeito apenas aos idosos e aos enfermos. Na contramão disso, o filósofo escreve: “Não pensemos em nenhuma outra coisa com tanta frequência quanto na morte”. E acrescenta: “É preciso estar sempre com as botas calçadas e pronto para partir”.
Como é sabido, o traço mais singular dos Ensaios talvez seja a sua constituição enquanto um autorretrato. Como nos demais textos, em “Que filosofar é aprender a morrer”,
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