A corrupção padrão ouro & bíblia do MEC de Bolsonaro

A corrupção padrão ouro & bíblia do MEC de Bolsonaro

 

Há mais de 30 anos oriento estudantes de mestrado. Testemunhei, ao longo das três décadas, altos e baixos no que diz respeito ao financiamento da pesquisa e aos auxílios (na forma sobretudo de bolsas e grants) oferecidos pelo governo brasileiro aos cientistas em formação.

Houve tempos difíceis no final do governo Sarney e no início do governo Collor, depois, novamente, na fase de encurtamentos de verbas em parte do governo FHC. O governo Lula representou um longo período de recomposição e até fartura que, para dizer a verdade, cessou no governo Dilma e, de lá para cá, foi só ladeira abaixo. Constato tristemente, sem qualquer juízo de valor ideológico, que o governo Bolsonaro representa, literalmente, o fundo do poço.

Os fundos para a pesquisa evaporaram, os programas com grandes projetos-chave para o desenvolvimento do país foram interrompidos ou estão à míngua, propostas aprovadas em editais não são pagas e todos os valores de bolsas e auxílios desvalorizados. Uma bolsa dada a um estudante de mestrado e doutorado pelas agências brasileiras, hoje, corresponde aproximadamente a apenas 1/3 de seu valor há 26 anos, corrigida a inflação do período.

Isso sem contar que a carreira científica no Brasil praticamente desapareceu, uma vez que o Setor Produtivo praticamente não contrata, como é sua característica, e o próprio governo deixou de abrir vagas para o recrutamento de doutores nas universidades. Num país em que há um déficit brutal de doutores por cem mil habitantes, abaixo de todos os países desenvolvidos ou com perspectiva de desenvolver-se, cada vaga para professor é disputada hoje por cem, duzentos jovens doutores desempregados.

O governo Bolsonaro, dando continuidade ao governo Temer, destruiu a carreira científica e praticamente reduziu a pó a ciência brasileira, numa velocidade e com uma convicção que nem mesmo os mais pessimistas conseguiriam prever. O choque é ainda maior se nós pensarmos que os governos da Ditadura Militar brasileira, que Bolsonaro e o bolsonarismo colocam como seu padrão de governança e de comportamento, tinham um projeto claro de desenvolvimento nacional que passava necessariamente pela formação de um campo científico forte no país.

Por isso mesmo, criaram ou financiaram de forma consistente as grandes agências federais financiadoras da pesquisa, da inovação científica e da formação de pesquisadores nacionais. Aparentemente, contudo, Bolsonaro herdou do governo militar brasileiros apenas a paixão por ver-se rodeado por homens fardados e o gosto pela autocracia, não o reconhecimento do papel da ciência e da formação de cientistas para a construção de um país.

Enquanto a tragédia se espalha, no Ministério da Educação, o 4º ministro da Educação do governo Bolsonaro, o pastor Milton Ribeiro, acaba de ser flagrado tratando o orçamento do Ministério com toda a liberalidade que lhe conferem o patrimonialismo, o clientelismo e a corrupção, os três vírus antirrepublicanos que destroem o Estado brasileiro.

Foi um escândalo em dois tempos. No primeiro, áudios mostraram o pastor-ministro anunciando com orgulho que as verbas do MEC eram distribuídas segundo o escrutínio de um outro pastor, Gilmar Santos, homem da confiança do presidente da República. Tudo conforme critérios que priorizavam as redes de favorecimentos e obrigações que ligam pastores, prefeitos e o apoio ao governo comprado com verbas da Educação Brasil adentro.

Em lugar da impessoalidade, que é obrigação constitucional, a convicção de que o dinheiro público podia ser distribuído pela companheirada, digo, pelos santos homens da Bíblia, para assim irrigar e manter ativos os dutos que levam dinheiro da Fazenda Pública para as bases eleitorais evangélicas e, em contrapartida, oferece um estoque de votos ativos para serem acionados em outubro de 2022. A rede de pastores, obreiros e evangélicos em cargos-chaves é a forma de aparelhamento do polpudo Ministério da Educação no governo Bolsonaro.

No segundo tempo do escândalo, a coisa se agrava. A rede clientelista, alimentada por devoção e ambição, revela-se muito mais que um sistema de toma lá dá cá orientado por propósitos eleitorais, embora seja também isso, mas como uma típica rede de corrupção. Isso mesmo, corrupção, na mais elementar definição que se possa dar ao termo.

Prefeitos denunciaram as propinas cobradas pelos pastores-atravessadores (Gilmar Santos e seu assessor, outro pastor, Arilton Moura) para intermediar as relações perniciosas com o ministro-pastor do MEC. Os pastores-lobistas não apenas cobravam um “por fora” dos gestores públicos que pleiteavam verbas do Ministério, como também praticavam extorsão de quem precisava desses recursos. Na forma de propinas de R$15 ou 30 mil, a depender da brodagem, em barras de ouro (vejam só) e até na forma de compra compulsória de bíblias das editoras dos atravessadores. Tudo documentado.

O Gabinete Paralelo de Pastores do MEC revela apenas mais uma das faces sujas deste governo, que tira as verbas da Educação e da Ciência de que o país tanto precisa com uma das mãos, enquanto com a outra mão as colocam na jogatina do clientelismo e da corrupção. Num complô típico de filme de gângster, só que com pastores fazendo o papel de mafiosos. Que país é esse que o bolsonarismo nos legou, que corrompe ao mesmo tempo o Estado e a religião?

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP). Twitter: @willgomes


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