Caso Rafael Braga é tema de exposição no Instituto Tomie Ohtake
Rafael Braga, único preso nos protestos de 2013, foi condenado a 11 anos de prisão (Reprodução/Arte Revista CULT)
Rafael Braga foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão por porte de explosivos durante as manifestações de 2013. Os materiais considerados explosivos, porém, resumiam-se a um pote de desinfetante e outro de água sanitária.
Em 2015, Braga conseguiu que a pena fosse cumprida em regime aberto, mas pouco depois foi detido novamente. Segundo os policiais que o prenderam – e únicas testemunhas do caso -, o rapaz portava 0,6 grama de maconha, 9,3 gramas de cocaína e um rojão. Homem negro e catador de lixo, Braga foi condenado a onze anos e três meses de prisão anos em regime fechado.
Na exposição OSSO, organizada pelo Instituto Tomie Ohtake em parceria com a Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), 29 artistas brasileiros de todo o país expõem obras relacionadas ao caso de Rafael Braga, que acabou se tornando o único preso durante as manifestações de 2013 – sem sequer, segundo ele, ter participado dos protestos.
A mostra, que fica em exibição entre 27 de junho e 30 de julho no Instituto, foi batizada de OSSO por reunir obras que tratam de tudo aquilo que é “essencial e estrutural na fragilidade do direito de defesa”, segundo o curador, Paulo Miyada.
Além das obras, a exposição exibe documentos ligados ao caso de Rafael, como reportagens, dados e textos sobre o tema, cuja organização foi feita pelo IDDD. Junto aos documentos, há um texto que discute as contradições e os pontos-chave do julgamento de Braga, e faz reflexões sobre o sistema penal brasileiro. A ideia, de acordo com o curador, é aproximar o público da injustiça sofrida por grande parte da população negra e periférica no Brasil.
“Na relação entre arte, política e direito, tentamos inverter o modo como essas conexões estão consolidadas. Em vez de fazer uma exposição geral sobre crise política, a gente tentou colocar no próprio título da exposição a questão de forma explícita. Os artistas entraram como se a exposição fosse um abaixo-assinado pelos direitos humanos”, afirma.
Suzane Jardim é historiadora e uma das organizadoras do movimento 30 Dias por Rafael Braga, que tem como objetivo conscientizar sobre este e outros casos. Para ela, a exposição tem o poder de aproximar a realidade de Rafael daqueles que, mesmo em atividade política, não estejam em contato com suas raízes racistas: “Gosto de ser otimista e pensar que uma exposição como essa tem o papel de levantar questões em pessoas que estão ocupadas demais tentando ‘reconstruir nossa democracia’ sem perceber que para cidadãos como Rafael Braga a democracia brasileira sempre foi sanguinária, repressiva e aniquiladora”.
Os artistas convidados para a exposição vêm de diversas partes do Brasil, e se dividem em três perfis, segundo Miyada: os já conceituados no meio brasileiro, e que já se manifestaram sobre assuntos políticos (como Cildo Meireles, Paulo Bruscky e Anna Maria Maiolino), os artistas negros, que trazem, entre outros temas, o debate da questão racial para suas obras (como Rosana Paulino, Moisés Patrício e Paulo Nazareth), e os jovens ou que entraram recentemente no mundo da arte – e que “carregam uma visão crítica por definição”, nas palavras do curador.
Temática estrutural
As obras expostas dialogam não só com o caso de Rafael, mas também com o racismo brasileiro e sua consequência mais imediata, a desigualdade social. Em “A permanência das estruturas”, por exemplo, a artista Rosana Paulino mistura desenhos de navios negreiros com esquemas “científicos” da época em que a eugenia era aceita como uma teoria científica no Brasil, no início do século 20. Em “O racismo é estrutural”, Graziela Kunsch criou estampou a frase em uma faixa de mais de oito metros de extensão, com a mesma linguagem das faixas do Movimento Passe Livre, que ficaram famosas nas Jornadas de Junho de 2013.
“Outras obras são mais sintéticas e ‘mudas’, mas fazem a gente pensar de outra forma”, diz o curador. É o caso de “Cruzeiro do Sul”, de Cildo Meireles, que consiste de um cubo pequeno em uma sala enorme e vazia, iluminado por um feixe de luz. O cubo é feito de madeiras utilizadas pelos indígenas para fazer fogo: “É um gesto sintético, mínimo, condensado, mas que por metonímia carrega dentro de si uma explosão. É um pavio simbólico”, define Miyada.
Criada em Diadema, Suzane Jardim lembra que nunca havia entrado no Instituto Tomie Ohtake, mesmo tendo se formado na USP – e afirma que a falta de acesso aos pontos de cultura é um problema enfrentado por muitas outras pessoas vindas da periferia, que são as maiores vítimas das injustiças como a sofrida por Braga. No entanto, a historiadora classifica o evento como algo positivo, mesmo que realizado em um local que ela considera elitista: “Creio que minha participação pode até criar um vínculo entre o espaço, a proposta e outras pessoas negras vindas da periferia e que, como eu, nunca haviam pensado o espaço como seu”.
Ela salienta, no entanto, que a iniciativa do Instituto não é a “primeira e nem a única” a abordar o caso de Rafael Braga e outros semelhantes. “Existem comitês em diversos estados pensando a questão, o grupo do Rio de Janeiro vêm se mobilizando desde 2013 pela causa com um histórico incrível de ações realizadas, a campanha dos 30 Dias também está aí promovendo o debate sobre encarceramento em diversos espaços, as periferias reagem, se protegem e denunciam como podem desde que essa realidade sócio-histórica se formou.”
No entanto, mesmo com tantas iniciativas de conscientização e de mobilização para a defesa de Braga, e mesmo que o rapaz não tenha cometido crime algum, ele continua preso – quatro anos após sua primeira detenção. “Casos como o de Rafael Braga escancaram uma realidade cotidiana que a história nacional insiste em esconder desde sua formação. Por isso causam tamanha revolta”, conclui Jardim.