O circuito da defesa de Bolsonaro

O circuito da defesa de Bolsonaro
Fotografia da revista LIFE, de J.R. Eyerman (1952), capa da primeira edição de 'A sociedade do espetáculo' (Reprodução)

 

Dados aferidos reiteradamente por todas as pesquisas de opinião divulgadas nos últimos três meses mostram que a rejeição a Bolsonaro cresce em todos os segmentos da população. Mas o que passa despercebido a muita gente é que, por outro lado, o conjunto de apoiadores entusiasmados do governo não parece diminuir e estacionou em torno de 25%, talvez 30%. Isso significa que o caso de Bolsonaro se parece mais com a situação de Lula que com a de Temer. Este último, que já partiu de um patamar não muito alto de apoiadores, teve a sua taxa de aprovação minguando até que não lhe restassem mais que 3%. Já o Lula pós-prisão, embora tenha uma taxa de rejeição consistente, em torno de pelo menos 1/3 do eleitorado, também tem uma taxa de aprovação permanente, exatamente na mesma proporção. 

Bolsonaro é um caso semelhante a Lula no que diz respeito ao apoio. Os dados indicam, portanto, que existe realmente uma coisa chamada bolsonarismo, que é um contingente expressivo de pessoas que apoiam Bolsonaro e que demonstram que continuarão vinculados a ele não importa o que aconteça. Além disso, há uma indicação de que o movimento bolsonarista compreende cerca de 25% da população, o que não é suficiente para uma reeleição, mas, considerando a consistência da adesão ao líder, o entusiasmo em sua defesa e o fervor no engajamento político, gera essa impressão paradoxal que salta aos olhos de todo mundo: quanto mais Bolsonaro diz ou faz coisas horríveis, é criticado na esfera pública e gera repulsa, tanto mais as vozes em sua defesa se tornam mais altas e mais gente veste em público a camisa do bolsonarismo. 

O eleitor de Bolsonaro em 2019, já o sabemos, não foi apenas o bolsonarista. O bolsonarismo usou o sentimento antipetista e antipolíticos como cavalo de Tróia para conseguir a presidência para o seu campeão. Mas como após a eleição Bolsonaro insiste em permanecer na campanha eleitoral, fazendo discurso de candidato de extrema direta e exercendo o horrendo papel de líder do exército de feios, sujos e malvados, o resultado foi que os segmentos não bolsonaristas do seu eleitorado foram se afastando da triste figura do presidente, dos seus filhos e dos seus ministros ideológicos. Assim, ficou mais definido o perfil do bolsonarista, o sujeito que apoia Bolsonaro por convicção e identificação, que é o segmento da sociedade a que o presidente se conecta, para o qual fala ou faz as suas performances, cuja reação o presidente monitora no Twitter, e que ele tem em conta o tempo todo. 

Este sujeito o venera, não apesar das coisas que ele diz ou das coisas inapropriadas que ele faz, mas exatamente por causa delas. A ligação entre Bolsonaro e o movimento bolsonarista é de identificação, de compartilhamento de visão de mundo e de valores. O bolsonarismo já estava de certa maneira pronto, e poderia hoje muito bem se chamar felicianismo ou cunhismo se Bolsonaro, um dos seus participantes, não tivesse tido a fortuna de montá-lo em 2016. 

A conexão é direta. Assim, por exemplo, quando Bolsonaro falou mal do presidente da OAB, no outro dia gente que não tinha a menor ideia do assunto já estava compartilhando fake news sobre o novo inimigo nº 1 da tribo, vídeos difamando a esposa dele e pedindo que a OAB fosse fechada por ser um antro de corrupção. Quando Weintraub disse que as universidades públicas promoviam balbúrdia e nudez, no outro dia 25% dos brasileiros já tentavam fervorosamente convencer os outros 75%, por meio de vídeos de fake news, que as universidades eram só orgia, depravação e petismo. Há duas semanas foi a vez de se odiar Paulo Freire, esta semana é a vez de se odiar a Alemanha e a Noruega, porque cortaram as verbas do Fundo Amazônia. A Alemanha porque, presumivelmente, não tem florestas; a Noruega, por matar baleias. Se Bolsonaro declarar que a lei da gravidade é uma invenção comunista e está revogada, bolsonaristas se jogarão de penhascos. 

É sempre assim, é um padrão. Duas horas depois que qualquer declaração estapafúrdia de Bolsonaro repercute na mídia tradicionais e na mídia social, o movimento bolsonarista já está em campo para confirmar as suas loucuras, respaldar as suas maluquices, corroborar os seus desvarios. No interior do circuito da defesa do presidente, não importam os fatos científicos, os argumentos embasados e os dados. Eles não confiam na autoridade científica, no valor dos intelectuais e nos meios de obtenção de informação; eles simplesmente criam os próprios dados, aderem à autoridade do seu líder e repetem os seus próprios intelectuais. 

Em face disso, faço cinco observações que acho fundamentais para que a gente possa entender o que está acontecendo hoje na política brasileira.

1-Bolsonaro não é o pior dos bolsonaristas. Antes, pode ser ainda mais moderado que os brucutus que lidera. O bolsonarista típico se define por ser intelectualmente grosso e politicamente bruto, e por não pedir desculpas por isso. Antes, vangloria-se do fato. Democracia, Estado de direito, liberalismo lhe são noções desconhecidas. 

2-Tudo o que Bolsonaro faz ou diz é para o seu público, os bolsonaristas, não para você. Portanto, deixe de ser autorreferente. Você e eu não lhe importamos enquanto audiência, só a nossa fúria é que é buscada.

3-Se você está chocado ou repugnado com algo que Bolsonaro, seus filhos ou seus ministros disseram ou fizeram, isso não é por acaso, este era exatamente o propósito. Você está justamente no lugar onde Bolsonaro quer os não-bolsonaristas: pasmos e nauseados.

4-Joga-se na política hoje um jogo de soma zero baseado na ideia de que “se incomoda os meus inimigos, meus amigos vão gostar”. O princípio é “nenhum dia sem uma grosseria, uma afronta, uma ofensa, uma provocação”. Os inimigos (sim, inimigos) precisam ser perenemente incomodados para que os amigos estejam perenemente satisfeitos.

5-Como acontece com todo movimento religioso, quanto mais você bate no bolsonarismo mais os crentes se sentem confirmados na sua fé, mais coesos, mais identificados uns com os outros. O bolsonarismo é um movimento identitário e, noves fora os valores em causa, funciona sob a mesma lógica sectária dos movimentos identitários de esquerda: não cresce quando você bate, mas fica mais radical e mais ativo quando isso acontece. O ataque dos adversários externos é o combustível que acende e alimenta o fervor da seita.

É isso.

WILSON GOMES é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)

 


> Leia a coluna de Wilson Gomes toda sexta-feira no site da CULT

(1) Comentário

  1. O bolsonarismo aqui no Brasil tem uma certa semelhança o nazismo alemão. Hitler, na Alemanha também se tornou um mito venerado pela massa, e aceitaram tão cegamente suas afirmação patrióticas doentias, de um psicopata em potencial, que toda maldade que ele defendia era apoiada, talvez, por 2/3 dos alemães. Foi também apoiado por aqueles que se identificavam com ele. Por aqueles que traziam a maldade latente no gênio. Mas, talvez Bolsonaro não consiga passar dos seu 25% de apoiadores. Esperamos que não.

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