Antipetismo, neoconservadorismo e “novos participantes” nas eleições de 2018

Antipetismo, neoconservadorismo e “novos participantes” nas eleições de 2018
(Arte Andreia Freire / Foto Marcelo Camargo, Agência Brasil)

 

Vamos organizar as ideias, que de confusa já basta a política. Estamos a seis meses das eleições de 2018 e o campo eleitoral no Brasil está dividido em 35 partidos e algumas grandes forças eleitorais. Os partidos significam muito em termos de infraestrutura, pessoal e recursos empregados para segurar uma campanha, embora a quase totalidade deles nada signifique como referência para a decisão eleitoral dos brasileiros. Salvo raras exceções, são pessoas e não partidos o fator decisivo para a escolha nas urnas, principalmente em eleições majoritárias. Tudo isto é fácil de compreender, mas estas tais “forças eleitorais” o que são exatamente?

Antes de tudo, são organizadores das disposições políticas e do humor eleitoral. Temos partidos demais para que sejam eles e a sua baixa densidade ideológica as referências básicas de que se servem as pessoas para se distribuir no tabuleiro político ou eleitoral. Não são. Ganha um doce quem souber dizer, por exemplo, a diferença entre o Partido Republicano Progressista, o Partido Popular Progressista e o Partido Progressista, a não ser o fato de que os seus membros não são, vejam só, progressistas. O que não significa que se deixe de recorrer a alguma clivagem de natureza ideológica para organizar os próprios sentimentos políticos e orientar o próprio voto.

As forças políticas e eleitoral são, então, justamente, as grandes clivagens ideológicas que as pessoas vêm usando para responder às suas necessidades de orientação no campo político e no xadrez eleitoral. Não são institucionais, como os partidos, mas isso não quer dizer que não sejam efetivas.

Sobretudo em um momento político em que temos cada vez mais gente interessada em política, mais pessoas disputando a opinião política nas ruas e nas redes digitais e tomando providências para favorecer o seu lado ou atacar o lado adversário. De repente, como gritaram os furiosos manifestantes de 2013, “o gigante acordou” e quem, por anos, demonstrou pouco interesse em política partidária, com baixa participação, baixo engajamento e quase nenhuma mobilização, virou um inflamado e hiperativo “novo participante” no jogo político.

O “novo participante”, entretanto, nem foi despertado nem se sente orientado pelos partidos políticos, que vertebram a vida política institucional. O que o inflama são ideologias e valores, são juízos compartilhados sobre o que se passa no mundo político e, sobretudo, um senso de urgência para fazer as coisas entrarem nos eixos. O novo participante tem um aguçado sentido de que alguma se quebrou no país e que só ele pode consertá-la e que isso precisa ser feito rapidamente, a ferro e a fogo se necessário, por meio de medidas extremas, se preciso. Se o partido não o orienta e se ele não tem o nível de experiência com as coisas da política que seria necessário para tanto, por causa da sua pouca idade ou de anos de desinteresse, é preciso alguma instância que lhe sirva de referência. Esta instância são as tais forças políticas e eleitorais.

Fui um dos primeiros a escrever sobre o antipetismo e a descrevê-lo como um impulso, um motor eleitoral importante. O antipetismo é baseado na ojeriza, no ódio ao PT e “a tudo o que ele representa”. Esse horror ao PT pode significar, a depender de quem o professa, tanto o horror às suas políticas públicas quanto à corrupção política que ultimamente se denuncia cotidianamente, tanto a ojeriza a pessoas específicas quanto à própria ideologia humanista, de esquerda e progressista que se crê identificada no Partido.

Naturalmente, há no antipetismo muito rancor dos grupos que perderam quatro eleições presidenciais seguidas para o Partido dos Trabalhadores, há o atávico preconceito de classes das “castas superiores” brasileiras e há, até mesmo, o desprezo provocado pelo tanto que este partido aprontou em comportamentos voluptuosamente antirrepublicanos. Mas a ponta de lança do antipetismo mais bruto são os “novos participantes”, como se pode atestar nos comportamentos mais selvagens que se verificam em mídias sociais, no espaço de comentário dos jornais online, nas manifestações políticas e até na rua: são jovens, estão furiosos, não conhecem limites.  

Os “novos participantes” não têm tempo nem paciência para frescuras como “divergir sim, mas com civilidade”, “em política tem-se adversários, não inimigos”, “o autoritarismo, o dogmatismo e a violência são incompatíveis com a democracia”. O antipetismo dos “novos participantes” é movido por julgamentos sumários, decisões assumidas sem análise ou hesitação (Lula é ladrão, o PT inventou a corrupção, a esquerda destruiu o país), sentimento de urgência e sensação de ultraje moral que deve ser reparada mesmo que à custa de sopapos, abusos e ameaças à vida. E se a descrição lhes parece a do fanatismo, não estamos muito longe da verdade.

Se a força política e eleitoral do antipetismo serve para organizar as energias despendidas atualmente na política por uma boa parte dos brasileiros, é importante notar que ela não opera sozinha. Todo o mundo político ocidental está sendo sacudido por uma onda neoconservadora de grande potência que não se via desde os anos 1920 e 1930 na Europa. Não surpreende que esta, enfim, tenha chegado ao Brasil neste ciclo eleitoral e, pela primeira vez, com um quociente de intenções de voto que pode levar um candidato ultraconservador pelo menos ao segundo turno. Principalmente se considerarmos a extrema fragmentação que será característica das eleições deste ano.

O nosso peculiar coquetel de neoconservadorismo combina temas neoconservadores europeus (xenofobia, islamofobia), americanos (retórica anticomunista, defesa de que a população se arme, tolerância zero ao crime, guerra cultural contra pautas liberais nos costumes: machismo, homofobia, desrespeito a minorias) e tupiniquins (convocação das Forças Armadas para a política, associação entre Direitos Humanos e defesa do crime).

Viúvas da ditadura, sempre as tivemos. Uma extrema-direita com baixíssima convicção democrática, iliberal e portadora de todos os preconceitos possíveis, faz parte da nossa paisagem desde sempre. Com o fim da Ditadura Militar, porém, essa direita que foi considerada cúmplice das trevas dos anos de chumbo recolheu-se ao armário. Coube novamente à combinação de “novos participantes” e velhos oportunistas a renovação, em energia e coragem de ir a público, da velha direita recalcada e da sua pauta desprezada na esfera pública por mais de três décadas. Pelas mãos dos jovens, volta, orgulhosa e vociferante, a mais velha das direitas. Eis um dos grandes paradoxos da política brasileira em 2018.

Em 2014, o antipetismo mostrou a sua exuberância política. Fez voto útil em Aécio Neves, que aceitou com prazer o papel do meio da campanha para a frente, e por muito pouco não foi suficiente para dar-lhe a presidência da República. Mas já estava presente com “drive” político desde, pelo menos, o segundo mandato de Lula. Já o ciclo do neoconservadorismo debuta na esfera pública nas manifestações de junho de 2013, reivindicando intervenção militar. Mas estoura mesmo a partir de 2016, como repercussão da vitória de Trump nos Estados Unidos.

Entretanto, vem de um pouco mais longe a sua trajetória, que tem uma das suas raízes na militância contra direitos dos homossexuais que ganhou muita força em ambientes digitais desde, pelo menos, 2011, quando o STF decidia sobre união estável para casais do mesmo sexo, e teve um candidato forte a seu líder político em 2013, quando Marco Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

Em 2015, com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, os conservadores de direita encontraram, enfim, um líder forte e com grande capital político, mas, principalmente, capaz de fazer convergir o antipetismo e o neoconservadorismo. Quando Eduardo Cunha é preso, um ano e meio depois, a convergência já estava consolidada e precisava apenas de um novo personagem para o papel, assumido, então, por Jair Bolsonaro. O neoconservadorismo, portanto, estava pronto antes da chegada de Bolsonaro, e já havia testado alguns possíveis campeões, como Feliciano ou Cunha, antes que Bolsonaro e filhos compreendessem a oportunidade e ocupassem o lugar.

Quando os “novos participantes” entram no jogo, a partir de metade de 2013, encontraram dois horizontes de orientação política e eleitoral já em atividade, o antipetismo e o neoconservadorismo. As duas forças sobretudo lhes proviam as “explicações”, ao mesmo tempo políticas e morais, sobre as razões de o país não ter dado certo, e um caminho acerca das providências que devem ser tomadas urgentemente para que as coisas, enfim, entrem nos eixos.

Sim, os “novos participantes” estão convencidos, desde 2013, que o país é um fracasso e que alguém é responsável por isso, política e moralmente. Vem daí o seu sentido de que são a única força política capaz de produzir as mudanças de que o Brasil precisa, a sensação de que não podem confiar em nenhuma das instituições tradicionais da política (inclusive na democracia) nem nos políticos tradicionais, e a sua convicção de que para consertar o país deve-se fazer o que for preciso, mesmo que à custa de ações pouco convencionais.

Assim, em minha opinião, para os “novos participantes, neste ciclo eleitoral importam menos os 35 partidos e muito pouco as instituições da política e da vida pública. A sua necessidade de orientação política é satisfeita, sobejamente, pelas ideologias do antipetismo e do neoconservadorismo. Se isso basta para eleger o próximo ou a próxima presidente da República é coisa que ninguém pode prever. Mas de que essas são duas forças de considerável importância para determinar o sucesso ou o fracasso eleitoral de campanhas e candidatos nas próximas eleições, não me resta qualquer dúvida.

(3) Comentários

  1. É muito bom poder ler uma análise de um liberal que não espuma ao falar da esquerda. Precisamos do melhor da esquerda, do melhor da direita, pra tentar montar o quebra-cabeças do Brasil.

  2. Gostei muito da análise, mas tem algo que precisa ser considerado. O neoconservadorismo e o antipetismo só chegaram até aqui porque há uma arquitetura institucional que os fortalece, há um legislativo é um judiciário que legitimam as bandeiras antipetistas e neoconservadores, será difícil lutar contra essa onda de retrocesso, e mais difícil ainda será retormar os trilhos republicanos de uma democracia que foi forjada para defender os interesses dos colonizadores, até o século XIX dos europeus, e dos EUA com maior força na segunda metade do século XX.

  3. Junho de 2013 foi um movimento de esquerda apartidária, que buscava educação e saúde “padrão fifa” e melhor mobilidade urbana. Só depois apropriado pelo discurso moralista da neodireita, com evidente apoio da mídia (contrária até então aos “vândalos”). Não se pode esquecer disso.

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