A direita ainda mais à direita

A direita ainda mais à direita
Jair Bolsonaro: é na direita que o político causa maior dano (Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arte Revista CULT)

 

Sim, sei que é quase fim de semana e que você merece uma cerveja esparramado no sofá ou um tempo em paz para dar um tapa no visual e ir à luta no mercado de amor & sexo; que hoje é sexta-feira e não tá fácil para ninguém. Mas deixe eu só dizer uma coisinha para você matutar, porque a gente quer prazer, diversão e arte, mas também não perde o vício de pensar.

Seguinte: se Bolsonaro é um espinho na carne da esquerda e do centro, não pense que o estrago que ele causa na direita é menor. Antes, é na direita que ele está causando o maior dano. Claro, se você é da esquerdinha 2G, convencional e antiguinha, que acha que a partir do centro todas as vacas são pardas, não importa se o sujeito apenas defende realismo fiscal e é da direita republicana ou um nazista que na falta de judeus aceitaria mandar petistas para o campo de concentração; se você é esse tipo de pessoa, o que vou dizer não fará o menor sentido. Mas se você crê na possibilidade de uma direita republicana, civilizada e inteligente, que se diferencia da esquerda moderada apenas por suas ênfases em liberdades econômicas, desoneração da produção e desapreço por intervenções do Estado usando a carteira das pessoas, então eu acho que vai entender o quanto eles devem estar assustados com a direita bolsonarista.

No meu monitoramento permanente de mídias digitais, para ver se entendo alguma coisa do que se passa no redemoinho político em que nos encontramos, caiu-me ao colo esta síntese muito reveladora: “Bolsonaro representa os protestos da sociedade a tudo o que está acontecendo: minorias se achando, PM vale menos que bandidos, ideologias com metas promíscuas, família e tradição sendo destruídas, OSPB, Educação Moral e Cívica fora das escolas, Direitos Humanos muito além dos itens da ONU”. É isso: o bolsonarismo é antes de tudo um reacionarismo, uma reação militante e revoltada contra o que se consideram perturbações introduzidas por intelectuais ou artistas, liberais ou de esquerda. O bolsonarista é um reacionário zangado, que despreza a política e os políticos, e que, na falta de maior elaboração, atribui ao partido que foi hegemônico nos últimos 15 anos a razão do seu mal-estar social, econômico, existencial e moral. Principalmente moral.

Do ponto de vista eleitoral e estritamente ligado ao jogo político, por outro lado, Bolsonaro está para a direita alfabetizada e com fumos liberais como o Tea Party esteve para o establishment republicano americano, como um fungo que a consome por dentro. A nova direita bolsonarista, tosca, bruta e iliberal é aquilo que Reinaldo Azevedo, que sabe dessas coisas, chamou de “direita caricatural”, que parece ter sido projetada de propósito para desmoralizar a direita que se acredita, com ou sem razão, sofisticada e avançada.

Seria o mesmo se o PCO ou o PSTU de repente conseguisse 20% das intenções de voto e começasse a comer o eleitorado do PT e do PSOL a partir da extrema esquerda, usando para tanto um discurso populista mezzo ainda-democrático mezzo já-fascista. Imaginaram? O que aconteceria? Parece evidente que, antes de tudo, o establishment da esquerda se enfraqueceria eleitoralmente, porque teria uma parte dos seus suprimentos tradicionais de voto drenado para a posição mais extrema e ainda teria que escolher entre concentrar-se em concorrer com a nova força radical, que com ela disputa na mesma faixa, ou com o adversário tradicional “do outro lado”. E do ponto de vista das disputas pelos imaginários e pelas narrativas políticas predominantes durante a campanha, pois se trata principalmente disto na comunicação política eleitoral, seria inevitavelmente pautada pelos radicais que estão na sua mesma raia e cujo bafo já sente no cangote.

A nova direita está enlouquecendo o DEM e, sobretudo, o PSDB. Em 2015, os arquitetos do impeachment devem ter imaginado o cenário eleitoral de 2018 como uma disputa entre Aécio, o favorito, Alckmin, Dória talvez, e um candidato do PMDB. A realidade eleitoral, contudo, lhes meteu nos peitos um Lula e um Bolsonaro. E se não derem um jeito de tirar os dois da disputa nos próximos seis meses, a viola vai para o saco e adeus ao projeto “Era FHC 2”. Eis, então, Alckmin e FHC fazendo discursos de birutas de aeroporto, a depender de para onde sopram os ventos circunstanciais, às vezes numa direção (antipetista), às vezes noutra (antibolsonarista), tentando uma composição improvável de agendas. Pesquisa Data Folha recente, como o demonstrou o cientista político Fábio Vasconcellos, diz que o maior desaguadouro dos votos de Aécio 2014 tende a ser Bolsonaro 2018. Os votos que foram para Aécio em 2014 simplesmente teimam em não ir para Alckmin 2018. E a não ser que desapareça a possibilidade de uma candidatura forte à esquerda, Alckmin ou Dória terão que disputar votos (e imaginários) com Bolsonaro para sobreviver ao primeiro turno. Votos e agenda.

Mas com a densidade do ódio antipetista de São Paulo e da Grandíssima São Paulo (que a este ponto deve estar chegando em Santa Catarina) isso será um equilíbrio difícil: se derem aos antipetistas o que estes querem, quem ganhará votos no final do dia será Bolsonaro, pois o bolsonarista quer sangue e tripas, e não esse antipetismo higiênico de Higienópolis (desculpem o trocadilho); se resolverem contemporizar (viram FHC, que queria Lula preso um dia e depois disse que não era bem assim?), serão reduzidos a disputar o centro, deixando a direita livre para a invasão dos bárbaros bolsonaristas. E o centro, meus caros, por força da extrema polarização política neste momento, infelizmente é um lugar deserto.

O que farão, então? Começarão a usar o discurso bolsonaristas só para mostrar que a direita liberal também consegue detestar com sinceridade Direitos Humanos, odiar com paixão sexo, comunistas e artistas, e achar que coturnos são, a olhar bem, um calçado tão sexy? Mas como conciliar isso com as agendas tradicionais do centro e da direita liberais, a cifra do economês, o tesão por privatização e o assanhamento com a globalização? Deixarão de falar de economia, política industrial, contas públicas e austeridade governamental para falar de castração química de estupradores, homens de bem armados contra a bandidagem ou de como desviar dinheiro público para “comer gente” é tão mais elevado do que roubá-lo, alternando entre o jargão do punitivismo social furioso e vocabulário de macho clássico? Com o bolsonarismo, acreditem, a direita liberal está literalmente acuada. E sendo empurrada ainda mais para a direita.

(7) Comentários

  1. Mais um excelente texto do professor Wilson Gomes. A percepção de que o voto antipetista e bolsonariano sempre estave escondido no voto tucano, é percepção de longa data de Ciro Gomes. Ele disse que a ascensão deste coiso iria prejudicar muito mais o PSDB do que qualquer outro partido, e está acertando na lata.
    A questão é perceber que sempre houve o Brasil reacionário, que desde o final da ditadura sentia um pouco de vergonha em mostrar as fuças. Todos nós conhecemos alguém que já era assim, mas que agora rasgou a fantasia; e nos espantamos com a violência latente que sempre esteve ao nosso lado, com ares de civilidade discreta.
    Incomoda e muito ver este país que mais parece a região sul dos EUA, atrasada, extremamente racista e religiosa. Sim, armas também, por gentileza.
    Daí se vê que o Prof. Jessé de Souza em excelente livro sobre a elite do atraso, acertou em cheio, e esta falácia do brasileiro cordial, as montagens de Faoro e Sérgio Buarque são totalmente irreais.

  2. Boa parte dos potenciais novos eleitores do Bolsonaro são aqueles da direita liberal e da direita conservadora que, durantes anos, mesmo décadas, foram demonizados pelo establishment “progressista”-
    universidades, imprensa e meio artístico, principalmente.
    É preciso condenar todos os extremismos, seja na esquerda seja na direita!
    P.S. O PSOL é de extrema-esquerda, apesar do disfarce bacana. E acho que o PT também (vide apoio ao Maduro).

  3. “o sujeito apenas defende realismo fiscal e é da direita republicana”

    “uma direita republicana, civilizada e inteligente, que se diferencia da esquerda moderada apenas por suas ênfases em liberdades econômicas, desoneração da produção e desapreço por intervenções do Estado usando a carteira das pessoas,”

    Ok, essa é a direita civilizada, mas onde tem isso nas redes sociais hj e mesmo na Internet?

  4. No mais, tem que ser doido pra querer uma era “FHC2” depois do pais que ele entregou após o segundo mandato comprado.

  5. Ao Brasil dito “reacionário” (sabem mesmo qual é a diferença entre reacionário e conservador?) contrapõe-se o revolucionário socialista, da qual fazem parte o PT e seus satélites. Sabemos todos como acaba o sonho socialista…
    Abundam argumentos desonestos como, por exemplo, chamar de racista quem é contras as cotas étnicas. Não, isso (Ad Hominem) não é democrático!
    No mais, tem que ser doido para querer de volta ao governo o petismo.
    P.S. Ah, se nossa esquerda fosse como o Fernando Gabeira…

  6. Penso que os bolsonistas, na verdade se identificam e pensam como o Bolsonaro. Ele apenas encontrou na sociedade gente que respalda o que ele diz, pensam como ele. Dizer que os bolsonistas são anti petistas ou anti tudo que está ai é querer justificar pessoas que compactuam com a opinião de bolsonaro. Ele não fez nada de politicamente relevante para as pessoas o apoiar. Apenas disse o que muitos ansiavam e queriam ouvir, ele acordou os monstros e se for eleito os libertará.

  7. Pronto, a pauta da esquerda agora se resume ao ataque aos opositores e a defesa do condenado lula. Quais são as propostas que vocês tem mesmo hein? Está na hora de a esquerda largar o osso, o povo não aguenta mais os mesmos governos de sempre (psdb, pmdb e PT são todos de esquerda), precisamos de: alternância de poder imediata, mais investimentos no ensino básico, menor carga tributária, redução dos impostos e aumento de liberdade econômica, pois o Brasil é um dos países mais atrasados do mundo neste quesito.

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