Está aberta a temporada de busca de políticos ‘puros’

Está aberta a temporada de busca de políticos ‘puros’
Bolsonaro, Meirelles e Boulos: promessas de pureza à esquerda e à direita (Arte Andreia Freire)

 

Patrimonialismo, clientelismo e corrupção são a nossa tragédia política e estatal, todo mundo sabe. Como se resolve isso? Dez entre dez estudiosos de política e democracia vão apostar em transparência pública e accountability (a responsabilização dos agentes públicos e a obrigação de que as autoridades prestem contas). Aumentando-se a visibilidade sobre a conduta das autoridades, diminuindo-se o espaço discricionário do agente público (o conjunto de decisões que ficam exclusivamente sob o seu arbítrio), aumentando-se a pressão social sobre o que a política faz e deixa de fazer, tudo isso tem um enorme poder higiênico e detergente sobre o Estado e as instituições políticas. À luz do sol e à vista de todos, todo mundo tenta se comportar da melhor maneira possível. O mesmo vale para a obrigação de dar conta das suas decisões e prestar conta pelos seus atos. Se cada autoridade puder se comportar como um soberano absoluto, os recursos públicos serão fatalmente desviados para fins privados e vantagens pessoais na forma do clientelismo e do patrimonialismo. Mas se cada um é obrigado legal e moralmente a responder a órgãos de controle, instituições políticas, comissões independentes e, sobretudo, à opinião pública, a autoridade política volta ao seu lugar, atada aos propósitos do Estado e à soberania popular.

Isso na teoria. Na prática, sete em cada dez brasileiros, contudo, acham que a doença política básica do Estado (corrupção, patrimonialismo, clientelismo e quejandos) será resolvida se os eleitores encontrarem políticos “puros” para votar. Está aberta a temporada de busca de políticos “puros”. A esquerda radical sempre adorou o tipo, o esquerdista-marxista de manual. PCO e PSTU sempre apresentaram os seus esdrúxulos “puros”, que não transigem com o capitalismo nem querem conversa com a burguesia. Os eleitores de Marina – e, por exemplo, Freixo -, querem um “puro” que encarne a utopia do Totalmente Outro com relação ao “sistema”. O “sistema” conspurca, a pureza levita sobre tudo isso.

Henrique Meirelles, por sua vez, é o suprassumo da posição política liberal-econômica, reproduzindo com devoção e entrega, sem o menor desvio, a cartilha em que consta a sua doutrina. O liberal realmente puro é Meirelles. Já Boulos é a quintessência da esquerda popular, que não transige nos seus valores, não desce a compromissos e mantém-se organicamente atado à massa popular. Boulos é Lula antes de ter visitado a bacia das almas, se misturado com banqueiros e caído na Realpolitk, acreditam.

A novidade deste ano é que a direita mais toca também está à cata de pureza. Bolsonaro, o ímpio, é puro porque é íntegro, autêntico, verdadeiro. Pureza brutal, contra a hipocrisia, a corrupção e, de novo, o “sistema”. Não é que ele seja limpo, o que se requer é que seja uma forma pura do que se deseja. E não é que até o centro ultraliberal quer pureza? Veja o tal Partido Novo, o quer? Recrutar “caras novas”, quer dizer sem os vícios do famigerado “sistema”, e que partilhem a crença sonhática em um Estado que não cobre impostos.

Transparência, publicidade, controle são valores para quem acredita que a política se faz por meio de instituições, que podem e precisam ser projetadas para que funcionem como a cultura democrática exige. Mas para quem acredita que na política tudo é uma questão de pessoas e de caráter, o importante é recrutar pessoas puras e projetos imaculados. A diferença será apenas na definição do que é puro e de como se caracteriza o seu oposto: o sujo, o misturado, o imundo, o mundano.

O paradoxal de tudo é que, geralmente, os eleitores brasileiros admiram a pureza, a forma mais íntegra e séria de uma ideologia, mas vão com os impuros mesmo, que a vida parece requerer mais jogo de cintura, mais flexibilidade, mais pragmatismo, mais negociação. Lula só desasnou eleitoralmente quando cansou de perder eleição e passou a negociar com realidade e adotou um programa pragmático, de governo e de vida. Passou do ponto também, ao que parece. Mas sempre houve alternativas políticas, preteridas, à esquerda de Lula. Alternativas mais puras à esquerda não nasceram com Boulos, Marina ou Freixo. A questão é que os eleitores, ao fim e ao cabo, os deixam de lado. Adoramos os puros, mas não casamos com eles. Até agora, pelo menos.

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