A poesia, seus ícones e movimentos

A poesia, seus ícones e movimentos

A difícil tarefa de apreender a pluralidade da poesia norte-americana do século 20

Maria Clara Bonetti Paro

E não há estrada larga rumo às musas.”
(Ezra Pound)

Escrever a respeito da poesia norte-americana do século 20 é semelhante a tentar comentar a topografia de uma duna no período de 100 anos. Diante dos olhos, os ventos da crítica vão construindo e destruindo picos de popularidade e de valorização e depressões de esquecimento e de marginalização. Embora complexo e, talvez também por causa disso, esse é um dos terrenos mais fascinantes e ricos da literatura norte-americana e a tentativa de apreendê-lo em poucas palavras exige a tomada de uma perspectiva que é, neste caso, o mapeamento de alguns desses picos mais importantes buscando relacioná-los com o presente.

Se a literatura brasileira teve na Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922, o marco simbólico de sua “iniciação” na modernidade artística, seu equivalente americano foi a Exposição Internacional de Arte Moderna, conhecida como Armory Show, realizada em Nova York, em 1913, e organizada pela Associação dos Pintores e Escultores Americanos e pelos pintores da Ashcan School. O impacto do pós-impressionismo, cubismo, futurismo e expressionismo foi imediato e deixou suas marcas na produção modernista de então. Não é de estranhar, por exemplo, que a revista Camera Work: A photographic quarterly, editada por Alfred Stieglitz, dedique dois números especiais para publicar, em 1912 e em 1913, respectivamente, os retratos verbais cubistas de Matisse e Picasso, escritos por Gertrude Stein, escritora vanguardista do início do século 20, cuja obra mais radical permanece influente e desafiadora até hoje; particularmente devido à técnica que ela chamou de “composição como explicação”, que subverte as noções tradicionais de narrativa como forma de apresentar um pensamento para ser ela mesma uma forma de pensar.

O Alto Modernismo

Apesar de o período do Alto Modernismo ter sido de grandes divergências e de diferentes propostas e movimentos sociais, envolvendo poetas dos mais diversos tipos, como Langston Hughes (1902-1967) e Countee Cullen (1903-1946), comprometidos com uma agenda política e social junto ao movimento que ficou conhecido como o Renascimento no Harlem, o termo ficou mais associado aos poetas que propunham novas maneiras de se fazer poesia.

Foi denominado de Alto Modernismo o período que se inicia por volta de 1920 e vai até o fim da Segunda Guerra Mundial e que assistiu a uma revolução na poesia caracterizada por diversificados experimentalismos formais, individualismos e ênfase nos aspectos cerebrais em detrimento dos emocionais. É nesse período que vão surgir os quatro mais proeminentes e marcantes poetas do Alto Modernismo americano – Ezra Pound (1885-1972), T. S. Eliot (1888-1965), Wallace Stevens (1879-1955) e William Carlos Williams (1883-1963).

Apesar da existência de um forte conservadorismo contrário à evolução política, social e artística, o sentimento predominante entre os jovens artistas dessa época ia ao encontro da convocação de Ezra Pound para não repetir a tradição e buscar o novo. O make it new, ou o impulso às mudanças, já estava na ordem do dia em várias esferas da vida social e artística impulsionado pelo espírito iconoclasta das vanguardas e pela insatisfação com a poesia sentimentalista e bucólica que era valorizada na época. Em oposição a isso, Pound, com T. E. Hulme (1883-1917), lança, em 1909, o Imagismo, que apregoava o tratamento direto do tema, a economia de palavras e a busca do mot juste e o abandono da métrica em prol da frase musical. Embora pequena, a produção imagista foi importante por ter trazido um novo paradigma e por ter preparado o público leitor para uma poesia posterior. Toda a obra de Pound, tanto a artística quanto a crítica, fazem dele uma figura emblemática até hoje. Não é sem razão que Hugh Kenner tenha usado o nome do poeta no título de seu livro – The Pound Era – no qual tenta caracterizar toda uma época.

O outro grande representante do Alto Modernismo é T.S. Eliot e sua maneira particular de fazer poesia é transformada em paradigma de como a poesia deveria ser. A publicação do poema “The Waste Land” trouxe-lhe a merecida notoriedade e sua obra posterior o confirmou como um poeta modelar. Seu estilo repleto de alusões que entrelaçam passado e presente, seus versos cadenciados e irônicos, a prática da colagem cubista aliada a uma erudição e uma acuidade sonora invejáveis fazem dele um poeta bastante admirado, mas difícil de ser imitado. Depois de um período de críticas ao seu elitismo e intelectualismo, que estavam em oposição aos interesses e valores da contracultura e da pós-modernidade, Eliot é novamente valorizado e agora pela sua obra inicial.

Ao tentar classificar a literatura do século 21, Marjorie Perloff abandona o camaleônico termo Pós-Modernismo e adota aquele que o antecedeu e assim dá nome a seu livro: Twentieth-Century Modernism: The “New” Poetics (2002). Ela justifica o retorno ao termo Modernismo porque constata que o Pós-Modernismo já não é visto como nos anos 1970, quando era sinônimo de tudo que era inovador, avançado e radical. Escrever com uma perspectiva pós-moderna naqueles anos, escreve Perloff, implicava ter uma fé romântica na abertura do discurso artístico e literário e na habilidade desses discursos em transformarem-se a si mesmos e a evoluírem. Como nas décadas finais do século 20 essa perspectiva sofreu um revés e o pós-moderno passou a ser visto negativamente pelo fato de não ser realmente experimental ou neovanguardista, a crítica americana constata que é ainda na fase embrionária do Modernismo que se encontram os pontos de contato com as práticas poéticas vanguardistas de hoje que são as realizadas pelos poetas da Language (grupo de vanguarda da poesia norte-americana dos anos 1960 e 70).

Ela argumenta convincentemente que, para os padrões conservadores dos anos 1950, tudo o que os Beats, os objetivistas, os membros do Black Mountain e do grupo de São Francisco faziam parecia ser radical, revolucionário ou pós-moderno. Entretanto, à medida que o tempo avançava, o conceito de vanguarda também ia se alterando e hoje ela o vê ligado aos experimentalismos realizados pelos membros do grupo Language ou por artistas como Johanna Drucker. Em Poetic license, Perloff havia argumentado que Ezra Pound era um contemporâneo de nossos netos e, com esse comentário, vê-se que ela acrescentou mais um avô para essa família – Eliot.

A maneira como Marjorie Perloff conceitua um poeta vanguardista invalidaria usar esse adjetivo para um poeta como Robert Frost (1874-1963), principalmente com a perspectiva atual. Entretanto, estamos tratando aqui da diversidade de vozes e propostas que formaram o multifacetado modernismo americano e, nesse sentido, ele também representou, naquele momento, uma nova proposta que foi ouvida por poetas posteriores. Robert Frost, assim como William Carlos Williams, fez um contracanto a Eliot e Pound ao se opor ao internacionalismo de ambos. A poesia antissimbolista de Williams buscava apresentar o registro preciso e quase fotográfico de cenas cotidianas da realidade americana com uma linguagem simples e factual. Com sua poética inspirada em trabalhos de cubistas e dadaístas, Williams mostrava um caminho para expressar a fragmentação e o desajustamento da vida moderna em versos curtos e descritivos. Dizia que o poema estava nas coisas e não nas ideias e, nesse sentido, aproxima-se mais uma vez de Frost, que dizia que um poema não começava com uma ideia. Todavia, em oposição a este que, posteriormente, passa a usar e a adaptar formas tradicionais, Williams continuou a inovar e, usando uma linguagem que ele dizia lavar com ácido, começou a experimentar com novas formas de quebrar o verso, com a construção de diversas vozes dento do poema, e criando, com Paterson, sua versão pessoal do poema longo.

Embora contemporâneos e pertencentes ao mesmo movimento literário, as poéticas de Williams e de Stevens não poderiam ser mais distintas. Stevens é abstrato, filosófico e universal e sua poesia mostra uma preocupação constante com a relação entre a imaginação e a realidade. É um poeta difícil que não se importa em assim ser, como fica evidente nesse seu aforismo: “A poesia deve resistir à inteligência quase com sucesso”. Um poeta que pode ser alinhado com Stevens em termos da densidade e complexidade de pensamento é John Ashbery (1917 -).

O Pós-Modernismo

Depois da Segunda Guerra Mundial, ficava cada vez mais claro que o projeto modernista não correspondia aos anseios de mudança das novas gerações que buscavam liberdade e novas formas de expressão. A estética do Alto Modernismo, que havia sido divulgada pelo New Criticism, definia a boa poesia a partir dos próprios valores do Alto Modernismo e havia criado uma estrutura formalista, elitista, repressora e estéril. Começava, assim, um novo ciclo na complexa luta entre poéticas dominantes e práticas contestadoras e o mais claro campo de batalha dessa luta foram as antologias que, orgulhosamente, ostentavam nas capas a palavra “nova” ou “novo”.

A antologia de Donald M. Allen, The New American Poetry 1945-1960 (Grove Press, 1960) é considerada o marco inaugural de uma série de outras que vão apresentar “a outra tradição” dentro da lírica norte-americana, ou seja, a de uma poesia mais radical ou neo-vanguardista, para os parâmetros da época e denominada de pós-moderna. Nessa época, esses poetas eram também conhecidos com “crus”, em oposição aos “cozidos”, que eram os poetas acadêmicos, tradicionais, intelectualizados e que compunham seus versos de forma convencional. Embora essa nova tradição tenha pouco mais de 60 anos, já se pode falar em gerações e grupos devido à grande variedade de práticas, concepções e filiações. Entretanto, como as diferenças nem sempre são categóricas, esses poetas são muitas vezes incluídos em mais do que uma classificação e são influenciados por diferentes literaturas.

Na primeira fase, Allen apresenta o período do pós-guerra que viu a publicação das melhores produções da geração mais velha de poetas como Williams, Pound, cummings, Marianne Moore e Stevens. Já vemos que esse novo não é tão novo assim e Allen realmente não apresenta sua antologia como exemplo de contestação ao mainstream, mas como continuação.

Entre os diferentes grupos apresentados, cumpre destacar o movimento Beat, capitaneado por Allen Ginsberg (1926-1997), e que representou, a partir da década de 1950, a voz de combate às restrições, quer sociais ou artísticas. Em Howl, fica clara a influência de um poeta anterior ao Modernismo, ou seja, Walt Whitman. Em Lawrence Ferlinghetti (1919 -), fica evidente também a influência de Appolinaire e de e.e.cummings. O grupo Black Mountain pode contar com nomes como o de Charles Olson (1910-1970) que recebeu influência de Pound e adotava um estilo telegráfico. Seu ensaio “Projective Verse” insistia que a forma da poesia é uma mera extensão do conteúdo. Robert Creeley (1926-2005), sofisticado escritor de versos curtos e lacônicos, aprendeu bem as lições de Williams de se voltar para o cotidiano e para as coisas. O grupo de São Francisco agregava muitos artistas talentosos e não apresentava um programa unificado a não ser a rejeição ao formalismo acadêmico. Entre seus membros, destaca-se Robert Duncan(1919-1988), influenciado por Ezra Pound e William Carlos Williams. Entre os objetivistas, o mais importante é Louis Zukofsky (1904-1978), que só depois de 1960 começou a ser amplamente reconhecido e admirado. Ligado às ideias do Imagismo e do Objetivismo, sua poesia revela seu cuidado com a sonoridade, com as construções e com os significados das palavras. Sua maior obra é “A”, uma sequência poética iniciada em 1928 e só terminada 46 anos depois, na qual registra suas meditações usando versos livres e explorando metáforas sonoras. Zukovsky foi influente junto ao grupo do Black Mountain, dos Beats e, posteriormente, dos poetas da Language. Seus poemas, como os de Wiliams, dão preferência aos versos paratáticos, resistem ao fechamento e não se baseiam nas conotações das palavras.

A razão da grande repercussão da antologia de Allen é, segundo Perloff, devida ao fato de que, no início dos anos 1960, havia um discurso poético dominante: o poema como algo coerente, unificado e autossuficiente e que apresentava indiretamente um paradoxo, uma verdade oblíqua ou um insight especial, usando os recursos da ironia, imagens concretas, simbolismo e economia estrutural. A norma era mostrar e não dizer. A voz lírica era dramatizada e a relação com o autor, escondida. Ela acrescenta que, nas duas décadas finais do século 20, essa perspectiva sofreu um revés e o pós-moderno passou a ser visto negativamente pelo fato de não ser realmente experimental ou neovanguardista. Características que eram descritas favoravelmente passaram a ser adjetivadas de forma crítica, assim, a diluição das fronteiras entre os gêneros passou a ser chamada de “contaminação”. O que era visto como jogo passou a ser considerado um simulacro, o que se valorizava como non sequitur – descontinuidade, indeterminação, estrutura aleatória, forma aberta – passa a ser resumido em falta de profundidade. A poética realmente neovanguardista passa a ser vista como a herdeira natural do período anterior, isto é, do alto modernismo e não mais das décadas imediatamente anteriores. Essa é a poética dos Language Poets – o grupo mais experimental dentro da literatura norte americana.

Além da etnopoesia de Jerome Rothemberg (1931 -) é preciso registrar também uma exuberante modalidade da poesia norte-americana contemporânea: a poesia eletrônica, que tem, no EPC (Electronic Poetry Center) da Universidade Sunny em Buffalo, um de seus centros de referência. Os atuais “discípulos” de Mallarmé vão além da página em branco e da exploração dos recursos tipográficos – lançam seus dados na tela dando às palavras uma cinética e uma interatividade que suscitam novos questionamentos a respeito da separação entre produto e processo. O poeta do grupo Language, Charles Bernstein (1955 -), assim se expressa sobre essa busca pelo novo: “Não vejo inovação como melhoria, mas sim como esforço para acompanhar o presente e lidar com o contemporâneo”.

(2) Comentários

  1. E muito bom poesias pra quem ler. Vc conhecer novas palavras isso e otimo

  2. achei muito interessante essa fonte de conhecimento, porque assim da para se entende como os anos anteriores não são diferentes do que os dias atuais, conhecer poetas que foram importantes, é realmente um caminho de grande valor, para se identificar com o realismo do seculo 20-21

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