O legado da pedra
Edição do mês
No meio do caminho tinha uma pedra. Quem se impressionou com esse acontecimento foi um sujeito tímido, orgulhoso, “de ferro”, que dizia ter o coração maior que o mundo. O impasse diante do obstáculo ao mesmo tempo trivial e espantoso se tornou um dos símbolos mais fortes da literatura brasileira, a síntese do espírito polêmico do Modernismo e um flagrante da psicologia dramática do poeta. Entre o Eu e a “coisa interceptante”, quem era mais pétreo e resistente? Naquela estrada pedregosa, o gauche nascido “com o hábito de sofrer” (e de ironizar) teria se defrontado consigo mesmo? É o que faz pensar a leitura do poema mais popular de Drummond.
Pedra de escândalo em que muitos tropeçaram, “No meio do caminho” foi considerado ora como obra de gênio, ora como monumento de estupidez. Na opinião do autor, que chegou a organizar um livro com as incontáveis glosas, elogios e incompreensões, o poema serviu para “dividir o Brasil em duas categorias mentais”. Os versos publicados em 1928 na Revista de Antropofagia (a data da composição é 1924) revelam, por trás dos óculos, um incendiário. Drummond enveredou cedo pelo Modernismo. No ritmo pacato da província mineira, a ouvir estrelas ele preferiu se chocar com pedras. Seguiu por um caminho bastante pessoal, acolhido com entusiasmo pelos companheiros e mestres de outros estados.
O que se percebeu de imediato é que, para além dos tiques da vanguarda e da piada, “No meio do caminho” escondia a pedra fundamental de um lirismo tortuoso, seco, “difícil de ler”. Pedra sobre pedra
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