Quando vidas são descartáveis, nenhuma vida é um valor em si

Quando vidas são descartáveis, nenhuma vida é um valor em si
(Colagem: Laura Teixeira)
  2020 será lembrado como o ano em que uma distopia marcada ao mesmo tempo pelo biopoder e pela tecnologia apareceu de modo mais evidente por meio de um vírus desconhecido e potencialmente letal. Diante disso, foram reforçadas medidas de exceção e controle incapazes de salvaguardar, ainda assim, nossa existência. Muito difícil não remeter às abordagens de Achille Mbembe sobre a política como trabalho de morte e à sua releitura do biopoder funcionando a partir da divisão entre os que devem morrer e os que podem viver em um contexto racista. Certamente vimos isso funcionando quando as contaminações no país partiram da elite que viaja ao exterior, mas as primeiras mortes contadas foram de seus empregados pretos e pobres; quando a curva do contágio nas áreas nobres começou a diminuir e nas periferias ainda crescia; quando as operações policiais nas favelas ocorreram em meio às ações solidárias de distribuição de cestas básicas. Ou, talvez mais ainda, quando se dizia “fique em casa”, mas isso não incluiu o precarizado trabalhando para aplicativos ou usando transporte público inóspito, nem tampouco interrompeu sucessivos despejos em ocupações lotadas de crianças e idosos.  Adicionalmente, passamos por um ano no qual a morte sem sentido e generalizada transbordou até mesmo a referida barreira da necropolítica habitual, estabelecida entre matáveis e não matáveis, e se espalhou pela sociedade de maneira totalitária, a ponto de se considerar o surgimento de um Estado suicidário, no qual a objetificação geral capturou a pulsão

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