Ecos e ruídos de 1989: o cenário eleitoral em 2018
Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello em debate presidencial pré-eleições de 1989 (Reprodução)
Em meio a prisões e atentados, nos aproximamos cada vez mais das eleições de outubro. Envoltos numa atmosfera de medo, incerteza e indignação, o calendário eleitoral, até o momento vigente, nos obriga a refletir sobre as possibilidades e riscos que nele se expressam.
Os mandatários do golpe de 2016, dentro e fora do sistema político formal, nunca estiveram de brincadeira e é, portanto, quase impossível que permitam que Lula possa se candidatar. Assim, o candidato que potencialmente poderia definir de forma mais clara o pleito não poderá exercer esse papel. Provavelmente teremos, pois, uma das eleições mais abertas e indefinidas dos últimos anos.
Há muitos que ainda acreditam que a lógica que marcou as últimas seis eleições consiga, apesar de tudo, se manter. Assim, teríamos a tradicional divisão entre um candidato petista e um peessedebista no segundo turno. No momento, esse cenário inercial parece menos provável de existir do que se previa até recentemente: nem PT nem PSDB parecem ter candidatos com potencial de voto capaz de garantir ao seu partido participação num eventual segundo turno.
Nesse sentido, entendo que podemos vir a experimentar uma eleição das mais abertas da última geração. Algo não de todo dissimilar, guardadas todas as proporções dos distintos momentos históricos, ao pleito presidencial de 1989. Podemos vir a ter uma eleição quando, novamente, as maquinas partidárias venham a desempenhar um papel menos decisivo do que tem sido a norma dos últimos tempos da nossa jovem democracia.
De modo concreto, candidatos avulsos ou com estruturas partidárias menos estabelecidas, como Bolsonaro e Marina, têm recebido maior apoio do que nomes tradicionais, como Alckmin. Certamente algo disso se explica pelo recall de outros pleitos. Mas, ainda assim, cabe explicar porque alguém com a vitrine e máquina administrativa do estado de São Paulo está enfrentando tanta dificuldade para emplacar como favorito.
Muito foi dito que, com a retirada forçada de Lula, abria-se espaço para uma eleição tranquila de Alckmin, portador do voto anti-Lula, assim como do apoio dos grande meios de comunicação e de uma sólida estrutura de campanha. Embora isso ainda possa vir a se materializar, não parece ser um cenário tão simples de efetivação.
Coloca-se, assim, um possível pleito que pode ecoar muito do que se viveu no fatídico ano de 1989. Vivíamos então a ressaca dos Anos Sarney, quando a hiper-inflação corria não só os salários mas toda o otimismo do processo de redemocratização. Mas ainda insistíamos em nos mobilizar pela esquerda, assim como pela direita, na crença de que algo diferente, melhor, ou menos corrosivo, seria possível.
As ruas foram tomadas e vivia-se um entusiasmo pelo processo participativo de construção de uma nova democracia, de novas regras de sociabilidade e de projeção de de um novo sentimento de nação. Sabemos no que resultou toda essa empolgação. Mas, ainda assim, foi nos alicerces então colocados que novos projetos de país foram construídos, pois ainda era possível contar com a categoria do porvir. Nisso encontramo-nos hoje mais distantes de 1989 do que as semelhanças entre as imprevisibilidades de ambos pleitos nos levariam a concluir.
Vivemos hoje não a sensação da construção coletiva de algo, mas da derrota, da dor e do caos. No lugar de estarmos nos mobilizando na busca do novo, tentamos desesperadamente evitar que se destrua ainda mais a nossa frágil democracia formal e se elimine de vez qualquer traço de convivência civilizada entre nós.
Independente do que ocorra em outubro, será muito difícil que essa última tarefa, talvez a mais necessária, venha a ser atingida. Assim, para além dos ecos de 1989, vivemos também um pouco dos ruídos rançosos do Brasil de então. Um Brasil que se mobilizou em favor de um populista de direita por causa de um aparelho de som que um operário não tinha direito a ter.
Cairemos novamente na armadilha populista, dessa vez revestida de um discurso ainda mais raivoso ou conseguiremos nos mobilizar em defesa da democracia, civilidade, direitos humanos e estado de direito para todos?
Se antes tínhamos o otimismo do algo melhor que ainda estaria por vir, hoje nos sentimos órfãos e desnorteados pelos sucessivos golpes contra nossa democracia. Se então, apesar do pesadelo do Collor, ainda conseguimos nos mobilizar pela consolidação da democracia, corremos o risco de que agora nossa não mobilização converta a desesperança de vez em pesadelo.
RAFAEL R. IORIS é professor da Universidade de Denver e autor do livro Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista (2017)