Sonhos para digerir emoções
(Colagem: Laura Teixeira)
Em março, no Brasil, uma médica, em sonho, assiste a uma tragédia da janela de seu apartamento. Testemunha a última viagem de um ônibus escolar desgovernado, em alta velocidade, derrapando e caindo no rio. Escuta gritos, janelas quebradas, vermelho-sangue pintando a paisagem. Chora. E não consegue mover-se. Até o momento da explosão que encerra a agonia de sua passividade.
Na mesma época, uma jornalista sonha que está à espera numa fila, num cenário que lembra um posto de saúde (casas do programa Saúde da Família), e ali esperando com mais alguns conhecidos percebe um movimento tenso. Sente-se observada. Rostos familiares assumem expressão distante, neutralizada pelo tédio da espera. Não lembra o propósito disto, mas percebe homens de luvas e máscaras que se aproximam de cada um, um a um, fazendo perguntas. Vêm aos poucos, e mais de perto consegue captar o tom pessoal do inquérito. Um homem lhe chama atenção nesse grupo. Ele não fala. Só escreve. Anota tudo. Olha, escuta, escreve. O cortejo mascarado se aproxima, e com eles a exposição de seus pensamentos, suas intenções. Ela quer entender o tom, o propósito. Busca informações, observando atenta os movimentos de cada um. E quando chega sua vez pode ler o que tanto anotava aquele homem concentrado. Só então reconhece seu próprio nome no papel e ao lado, em destaque: “postagem sobre marielle”. Ele segue grifando seu nome, “Joana”, “Joana”, e o medo lhe desperta a sensação de ter participado de uma fiscalização sobre postagem em redes sociais.
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