Reinaldo Azevedo e a direita

Reinaldo Azevedo e a direita
O jornalista Reinaldo Azevedo (Arte Andreia Freire)

 

Desde 2009, quando comecei a acompanhar uma amostra com os perfis conservadores mais influentes em ambientes digitais, havia calibrado a minha regra de maneira que Reinaldo Azevedo representasse o posto mais avançado da direita conservadora ativa online. À direita de Reinaldo já se estava fora do alcance da democracia, no setor que eu chamo dos “feios, sujos & malvados”, em que funciona uma direita adversária dos Direitos Humanos e de minorias, racista, militante homofóbica, misógina e machista, tudo isso combinado ou segundo a própria especialização. Era o lugar de figuras como Malafaia, Feliciano, Marisa Lobo, Bolsonaro e crias. Por anos, isto deu certo e consegui localizar direitinho os perfis que eu acompanhava.

Em 2014, as coisas começaram a mudar. Comecei a notar que alguns dos perfis que corriam na “faixa Reinaldo Azevedo” começaram a ir ainda mais para a direita. Olavo de Carvalho e os seus pupilos, Moura Brasil e Rodrigo Constantino, foram os primeiros, seguidos por Lobão, Roger Moreira, Rachel Sheherazade e, enfim, Joice Hasselmann.  Mesmo as startups da direita digital com nomes de fantasia como MBL, Revoltados Online, Vem pra Rua, et caterva, que surgiram depois de junho de 2013, todos o foram ultrapassando em direitismo e conservadorismo. Por fim, até perfis recém-instalados na condição de influenciadores digitais, como Ana Paula do Vôlei e Alexandre Garcia, já chegaram fincando suas bandeiras em territórios em que o Tio Rei não havia ousado pisar ou para onde não quis ir.

Na verdade, foi em 2017 que a Fronteira Azevedo perdeu o sentido para a minha calibragem. Para o gosto dos conservadores de direita, Reinaldo Azevedo já não era radical o suficiente, nem feroz antipetista de forma satisfatória, nem furioso o bastante para os apetites da matilha ultraconservadora, que vagou à procura de um líder e farol, entre Marco Feliciano e Eduardo Cunha, até encontrar em Jair Bolsonaro o seu campeão. Para estes, o Tio Rei começou a hesitar nos linchamentos, a fazer distinções demais, a reivindicar coisas estranhas como devido processo legal e estado de Direito para a “bandidagem”, a insistir demais em cobrar imparcialidade de juízes e membros do MP. Por fim, principiou a teimar em dizer, mais do que seria razoável para manter a paixão dos reacionários, que era mais liberal que conservador. Com isso, acabou praticamente proscrito da horda dos caminhantes brancos que trazem o profundo inverno.

A tensão nas hostes da direita chegou a tal ponto que Azevedo acabou “saindo na mão”, em bases cotidianas, menos com petistas, com defensores de Direitos Humanos e com outros igualitaristas e esquerdistas, como costumava fazer até 2016, e mais com olavos e olavetes, bolsominions, Kim Kataguiri (quem não?), a própria Hasselman e brutos assemelhados. Por fim, Reinaldo tem a sua demissão aceita por Veja, por muitos anos o espaço coroado mais à direta dos comentaristas políticos alfabetizados. Assim, “Era uma vez o Rei do blog de direita”, “Vida longa aos novos reacionários do YouTube, do Facebook e da Jovem Pan!”.  Só que não.

Não é que Reinaldo Azevedo tenha acabado e este seja o seu epitáfio. Não se trata disso. Se caiu, o moço caiu foi para cima, como se diz. De repente, em tempos de extrema política judicial e não menos intensa judicialização da política, viu-se transformado no grande jurisconsulto brasileiro, cujo autoconferido saber jurídico, aliado ao vastíssimo conhecimento em Filosofia Política, canções sentimentais e fatos da vida, lhe autoriza a passar descomposturas embaraçosas em Cármen Lúcia e a tratar como “vagabundos ignorantes” 2/3 do STF. Sem falar em juízes, de primeira e segunda instância, e promotores, lavajatistas ou não. Fora Gilmar Mendes, claro, vez que Gilmar é um “garantista”, como ele, o Grande Reinaldo.

Além disso, agora, entre performances de bolero, comentários políticos, editoriais lacradores e exibição de acachapante cultura, Azevedo pontifica nas tardes da Band News FM, provendo a dieta política necessária de que se nutre a Pauliceia (e outras Coxinhópolis brasileiras) nos longos engarrafamentos de volta para casa. Consta até que, segundo as más línguas, tornou-se ultimamente o único aconchego na “grande mídia” dos lulistas tatuados que querem ouvir uns desagravos em face dos abusos da República dos Juízes Superpoderosos ou, para ser mais simples, desejam ver alguém dizer uns desaforos na cara de Sua Eminência Intocabilíssima juiz Sérgio Moro. Essas coisas que só o Grande Reinaldo pode de fato proporcionar, inclusive agradando, ao mesmo, por improvável que pareça, lulistas e temeristas. Não, meus amigos, o Tio Rei continua vivo e ainda cavalga.

Há quem assevere que Reinaldo Azevedo se tornou o membro mais ferrenho da seita garantista em direito penal e que, portanto, esperneie toda a tarde para reivindicar a delimitação do poder punitivo do Estado, não para ser justo com Lula nem por ser um homem de rígidos e consequentes princípios liberais e de fé fundamentalista na legalidade estrita, mas tão somente, sabe-se lá a razão disto, por ser o derradeiro crente no valor de Michel Miguel Temer como governante. Os mais maldosos chegam a jurar que Azevedo está para Temer como a Velhinha de Taubaté, de Veríssimo, esteve para João Baptista Figueiredo: a última pessoa no Brasil a acreditar no governo. E o último a defender a quimera do legado do presidente reinante, tão elevado que nem o titular do mandato teve coragem de ir defendê-lo pessoalmente na arena eleitoral este ano.

A minha questão, portanto, não é o fim de Reinaldo Azevedo, mesmo porque o moço nunca esteve tão gordo e rosado. O problema é que a métrica que calibrava a direita extrema a partir do Tio Rei ficou completamente obsoleta desde 2017. O Brasil foi muito mais à direita, nos últimos anos. Foi tanto à direita que a antiga direita mais extrema foi superada, de muito, por uma direita ainda mais distante. Aquela direita alfabetizada e articulada, que se conservava no espectro do republicanismo e com a qual ainda se podia conversar, por partilhar vocabulário e princípios comuns à cultura democrática, foi sendo deixada para trás por uma direita que não foi apresentada a noções mínimas, nem diria de Democracia e República, mas do próprio Liberalismo Político.

No que tange à clivagem moral, dá-se praticamente o mesmo. Aquele conservadorismo ainda civilizado e argumentativo, que buscava acomodar o seu sentimento de decadência do mundo e de corrupção dos costumes com algum apreço pela vida democrática, crescentemente vem cedendo lugar a um reacionarismo tosco, que tem horror ao sexo, é dogmático, irracional, anti-intelectual e sombrio. Na guerra cultural de que se sentem combatentes, não aceitam sequer divergir, com civilidade, dos valores da cultura liberal que os cerca; querem mesmo é a sua erradicação. E não é que ignorem os valores do Iluminismo que explicam a sociedade que nos tornamos no âmbito dos valores. Na verdade, nem mesmo o lastro clássico de noções do Humanismo parece lhes estar ao horizonte.

Reinaldo Azevedo, a rigor, está onde sempre esteve. Os conservadores brasileiros de direita é que o deixaram muito para trás. Isso, sim, me dá o que pensar.

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)


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(4) Comentários

  1. que texto ruim. bem a linha de quem não sai do pedestal de julgamento moral e simplifica as coisas de forma grosseira e maniqueista.

  2. Considero que no Brasil sempre existiu uma direita tosca e indialogável (uma casta predatória), que ultimamente tende a se fechar em si mesma cada vez mais, como que um tatu-bola.

  3. Parafraseando Nelson Rodrigues, Os ignorantes (pra mim é sinônimo de idiotas) vão dominar o mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade, eles são muitos…..

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