Whatsapp e campanha eleitoral: o que nos espera em 2018
A campanha horizontal, feita via redes sociais, é ao mesmo tempo efeito e causa da polarização atual (Arte Revista CULT)
Desde a campanha eleitoral americana de 2008, mídias sociais fazem parte dos recursos mais empregados em campanhas políticas. A coordenação da campanha de Obama inovou naquela eleição usando com sucesso de tudo o que estava disponível no ambiente, ainda novo, do que hoje se chamam “plataformas”, da busca paga no Google aos vídeos postados por usuários no YouTube. E, sobretudo, empregou aquilo que, lá pela metade dos anos 2000, aqui se chamava ainda “sites de relacionamento”. Os mais variados, que naquele momento o panorama tinha muito mais diversidade.
De lá para cá, aprendemos muitas coisas sobre o uso de mídias sociais em campanhas, embora campanhas digitais, em sentido estrito, como a de Barack Obama em 2008, com planejamento para o digital, com ações digitais, com metas e métricas específicas para se alcançar em meios digitais, nunca tenham realmente se dado no Brasil. Aqui, um ou outro candidato mais inovador tinha, no máximo, uns “garotos do digital” fazendo coisas secundárias na campanha, sem que deles se esperasse grande coisa. Todo mundo sabe, por exemplo, que Dilma Rousseff deixou a sua conta no Twitter inativa entre outubro de 2010 e o início de 2014, quando, provavelmente, a nova campanha contratou um novo estagiário “do digital” para lembrar a senha ou sugerir conteúdo.
Mas há campanha e campanha, e no mundo digital isso é ainda mais verdade. As autoridades eleitorais, a começar pelos tribunais encarregados de regrar as eleições, conseguem – ou, pelo menos, tentam – controlar a campanha política no primeiro sentido. As autoridades eleitorais dizem que campanha eleitoral, em sentido estrito, é aquela planejada e dirigida por organizações partidárias, segundo determinadas regras e de acordo com um figurino previsto pela norma em vigor.
Na prática, contudo, o que seria então a labuta diária na esfera pública e no âmbito privado, em que estão envolvidos milhões de cidadãos para convencer ou demover os outros de escolhas políticas e eleitorais de candidatos, propostas, prioridades, valores e visões de mundo, se tal labuta não puder ser também chamada de campanha? Aliás, o que impressiona no Brasil atualmente é o fato de que, de repente, termos um pico de interesse político e de participação, em uma população cujo desinteresse por política e apatia eleitoral aumentavam consistentemente uma geração após outra. Interesse e participação que se materializam, desde 2014, em uma campanha política e eleitoral intensa e interminável.
A campanha, neste segundo sentido, está geralmente fora do alcance do radar da Justiça Eleitoral. Não segue calendário, não observa regulações nem se limita aos meios e modos disciplinados pela Lei, mas é a disputa que se dá no mundo da vida a favor ou contra candidaturas, propostas e ideias políticas que, afinal de contas, assegura a vitalidade da democracia.
Assim, a “campanha” das coordenações de campanha, das organizações partidárias e de seus coordenadores de comunicação e planejadores da estratégia política, disciplinada pelas autoridades eleitorais, e verticalizada, é uma coisa completamente diferente da “campanha” descentralizada, horizontal, conduzida pelos cidadãos, hoje realizada principalmente em ambientes sociais digitais e nas suas cercanias off-line. Neste quadro, as instituições da política deram uma pausa na campanha para a Copa do Mundo, que ninguém é de ferro, mas a disputa por corações e mentes tendo em vista as eleições de 2018 funciona em moto contínuo. Então, oficialmente, não há ainda campanha, mas, a rigor, a campanha eleitoral não só está à toda como é imune a efemérides e calendários.
Desta forma, se a campanha vertical, que necessita de grandes financiamentos e não menor planejamento, não foi capaz de assimilar de forma eficiente a parafernália de recursos das plataformas digitais, pelo menos no caso brasileiro, o mesmo não se pode dizer da campanha horizontal, que encontrou nos ambientes digitais criados sobre as plataformas as suas melhores condições. De fato, hoje, cinco plataformas de mídias sociais (Facebook, Google, YouTube, WhatsApp e Instagram) concentram e fornecem insumos para a formação dos mais variados ambientes sociais digitais, principalmente os de natureza política. Isto acontece porque as pessoas vivem online, adoram permanecer online, não precisam mais se desconectar para a sua labuta diária e incorporaram as plataformas de mídias sociais, assim como os dispositivos móveis e os recursos da Web em geral, como parte importante dos instrumentos essenciais para viver em sociedade. Inclusive, para viver politicamente em sociedade.
Há alguns anos, subestimava-se a vida online, ou “virtual”, como diziam, para contrastá-la com a vida “real”, a única verdadeira. Hoje se sabe que a vida é uma só, que as pessoas estão simultaneamente online e off-line e, sobretudo, que o que se faz em mídias sociais é geralmente mais do que consumir conteúdos e interagir com conhecidos e desconhecidos, mas integrar-se a ambientes sociais possibilitados digitalmente. Há ambientes sociais porque há ali trocas cognitivas e afetivas, mas, sobretudo, porque ali se produz e circula capital social, e ali se geram e reforçam identidades sociais na base de afinidades e de sentido de pertencimento. E, para completar, com um alcance, uma velocidade de disseminação e de atualização e uma flexibilidade que não tem comparação com nenhuma outra forma de ambiente social até então existente.
O problema é que participação política é que nem colesterol: tem do bom e do ruim. E o interesse por política e a participação aumentaram justamente em um contexto de extrema polarização. Poucos períodos na vida política brasileira puderam contar com estoques tão abundantes de ódio, ignorância, sectarismo e vontade de engajamento político quanto os últimos cinco anos. O que chega em 2018 em carga máxima e em ponto de ebulição. A campanha horizontal, como não poderia deixar de ser, é ao mesmo tempo efeito e causa da alta temperatura e da intensa polarização existentes na sociedade, o que se reflete nos debates atravessados constantemente pela vontade de destruição do adversário, pela produção de informação e de interpretação dos fatos políticos frequentemente baseados na fúria e na indignação moral. As pessoas estão, decididamente, em campanha, mas o que deveria ser um atrito produtivo de ideias e perspectivas, acaba ganhando feições de um vale tudo interminável.
Por isso mesmo é que esta será, prevejo, principalmente a campanha política do WhatsApp, apesar do relevante papel das outras plataformas. E a razão tem a ver com características estruturais –ou affordances – de cada uma delas. Facebook, Twitter, Instagram e YouTube formam redes baseadas na publicação de conteúdo. O que se quer dizer é literalmente “publicado”, tornado público, acessível, ao alcance da vista ou de algoritmos e, finalmente, replicável. O WhatsApp é um programa de mensagens instantâneas que também serve para redes sociais, mas a ideia por trás da estrutura é que o post aqui é reservado, pessoal ou, no máximo, particular. Desse modo, replicabilidade do conteúdo se dá em escala individual e, o maximamente possível, protegida, fechada. Os ambientes sociais formados pelos grupos com afinidades ideológicas e políticas oferecem condições ideais, de proteção e reserva, para a distribuição de conteúdo antissocial, parcial e falso.
O WhatsApp fornece à campanha horizontal ambientes sociais que podem ou ser extremamente homogêneos do ponto de vista político ou ideológico ou com intimidade social suficiente para que as pessoas se encorajem a tentar evangelizar politicamente os outros ou, simplesmente, reiterar convicções. Quando a raiva e o desejo de se envolver na defesa de ou no ataque a pontos de vistas encontram as “affordances” do WhatsApp, descobrem um meio eficaz, flexível e conveniente para que o indivíduo possa satisfazer a necessidade psicológica e afetiva de “estar fazendo alguma coisa” pelo que ele considera a coisa certa a fazer. Em geral, isto produz, infelizmente, o inferno da política negativa ou de ataque, da distribuição acelerada e intensa de fake news e da luta pelo assassinato de reputações.
O WhatsApp pode, de fato, oferecer o inferno da campanha eleitoral brasileira, normalmente abaixo do radar da Justiça e das coações e constrangimentos morais da sociedade. A questão é que isso não tem necessariamente a ver com as características da plataforma, consideradas em si mesmas, mas com as circunstâncias de polarização e de ódio do engajamento político brasileiro hoje.