Uma era de crise psíquica
Edição do mêsEm 2021, trabalhadores da gigante do e-commerce Amazon protestam em Boston, nos EUA, exigindo melhores condições de trabalho e o direito de formar um sindicato sem sofrerem represálias (Joe Piette/Flickr)
Há quase dez anos, começamos a desenvolver na Universidade de São Paulo a pesquisa que resultou no livro Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Tal pesquisa foi feita pelo Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise (Latesfip/USP), que congrega professores e pesquisadores do Departamento de Filosofia e do Instituto de Psicologia da nossa universidade. Durante os piores momentos da universidade pública brasileira, lutamos para levar a cabo essa pesquisa como forma de começar a analisar as mutações pelas quais os sujeitos estavam a passar no interior da nova ordem econômica com suas estruturas próprias de brutalização social e violência.
Tal pesquisa sobre o neoliberalismo e as formas contemporâneas do sofrimento psíquico era o primeiro passo para tirar as consequências de uma questão epistemológica que nos parecia central, a saber: o que, afinal, é uma categoria clínica? Que tipo de entidade são categorias como “transtorno de personalidade histriônica”, “neurose obsessiva”, “esquizofrenia”, “transtorno de ansiedade”, entre tantas outras? Seriam tais categorias a expressão de espécies naturais descobertas pelo desenvolvimento técnico do saber médico?
“Espécie natural” é uma espécie correspondente ao agrupamento de fatos e elementos que refletiria a estrutura do mundo natural, em vez de refletir os sistemas de interesses e ações dos seres humanos. Nesse sentido, uma espécie natural seria um agrupamento dotado de duas características fundamentais: acessibilidade epistêmica (eles podem ser c
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