Corpos e sujeitos
Une leçon clinique à la Salpêtrière, André Brouillet, 1887 (Foto Universidade Paris Descartes/Divulgação)
Os corpos femininos apresentam-se como questão para a psicanálise desde seu início: as contraturas e paralisias histéricas, a convocação do olhar no teatro da histeria, as fotografias dos êxtases e a demonstração da produção de sintomas fascinaram o jovem Sigmund Freud ainda em 1885. As apresentações do neurologista francês Jean-Martin Charcot impressionaram Freud a tal ponto que ele comparou essa experiência à visita à Catedral de Notre Dame, da qual se sai com “uma nova percepção da perfeição”. Em suas cartas à noiva, Martha Bernays, Freud buscou descrever seu prazer: cada caso apresentado era reconhecido como “uma pequena obra de arte de construção e composição”, um mosaico que combinava o talento de Charcot, os corpos em cena e o olhar. No Hospital de Salpêtrière, Charcot reinava como mestre absoluto. Os corpos das histéricas eram finamente observados, descritos, narrados e expostos ao olhar da plateia, composta exclusivamente de homens.
No dispositivo de saber-poder instituído pela psiquiatria e pela neurologia do século 19, os corpos femininos eram escrutinados e submetidos à ânsia regulatória da razão. Os sintomas eram identificados a partir de uma racionalidade que buscava diferenciar e distinguir, de um lado, os corpos verdadeiramente acometidos por enfermidades orgânicas e/ou neurológicas e, de outro, os corpos que fingiam, enganavam a razão, simulavam e ocultavam sua verdade. As justificativas apresentadas para a histeria, embora revestidas de uma linguagem científica, reproduziam e atualizavam as crenç
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