Prótese da fé

Prótese da fé
A filósofa Marcia Tiburi (Foto Simone Marinho / Divulgação)
  A racionalidade ocidental nunca foi ingênua. Seu projeto estabeleceu-se na história como projeto de poder. A participação da filosofia se deu no estabelecimento do princípio de identidade que, desde Aristóteles, funciona como núcleo de toda lógica, toda ética e toda política. O princípio de identidade que reduz o Outro ao eu, o diferente ao mesmo, forjou-se também em contato íntimo com a teologia judaico-cristã – com a ideologia de um Deus único, fruto de um pensamento único e absoluto – comprometida até o fim com a negação do Outro, inclusive a negação de Cristo que, em si mesmo, afirmava o Outro. Esse compromisso se deu em função de seu casamento com o poder e sua versão econômica, reducionista e fria que é o capital, o absoluto que tudo submete e subjuga. O que chamo de “racionalidade ocidental”, uma racionalidade que vingou no plano da identidade do que se autodenominou “Ocidente”, é um certo modo de pensar, sentir e agir que, no processo histórico, se estabeleceu como uma espécie de “esfriamento”, de “depuramento” dos afetos em nome de uma verdade sem corpo. Digamos que o corpo – e os afetos – representassem aquilo que restava de pagão e, portanto, não combinava com o projeto racional que apenas a instituição eclesial cristã poderia sustentar. O que era pagão era o corpo e tudo o que a ele se ligava. Que o corpo de Cristo tenha se tornado cada vez menos físico e cada vez mais simbólico nos rituais tem relação direta com a necessidade de apagar o corpo, e com ele a matéria e a vida concreta, em nom

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