Em primeiros filmes feministas da história, diretoras pioneiras trataram de assédio e abuso
A diretora pioneira Alice Guy-Blaché (Reprodução)
Uma mulher presa a um relacionamento abusivo tenta se vingar do marido. Em uma realidade alternativa, homens são subjugados e abusados pelas mulheres. As duas histórias podem parecer criações atuais, mas são retratadas nos filmes A sorridente Madame Beudet, de 1922, e Os resultados do Feminismo, de 1906, respectivamente. Dirigidos por mulheres pioneiras no cinema – Germaine Dulac e Alice Guy-Blaché -, os dois curtas são considerados os primeiros filmes feministas da história.
A partir desta sexta (23) até domingo (25), as duas produções ganham intervenções artísticas no Sesc Pompeia realizadas por Karina Buhr, Roberta Estrela D’Alva, Georgette Fadel e Denise Assunção em uma sessão batizada de “Muda, mas não calada”. Durante a exibição muda dos filmes, as convidadas farão apresentações cênicas e sonoras, dialogando com as imagens projetadas de modo a propor uma reflexão sobre as relações entre filme e gênero.
‘Os resultados do feminismo’ (Les résultats du féminisme, 1906)
Mulheres leem o jornal despreocupadamente enquanto os homens da casa costuram e passam roupa. Na rua, um homem é assediado por duas mulheres e, mais tarde, acaba sendo abusado por uma delas. É assim que a diretora francesa Alice Guy-Blaché tentou transmitir aos espectadores homens o que é ser mulher. Guy-Blaché é considerada uma das primeiras diretoras de cinema da história, a pioneira do sexo feminino, tendo dirigido quase mil filmes ao longo de seus 24 anos de carreira, além de ter aberto o primeiro estúdio chefiado por uma mulher, o Solax.
Ela também entrou para a história como a “mãe” dos filmes de ficção – já que, até o início do século 20, isso ainda era incomum -, e também teria sido uma das primeira a investir em efeitos especiais como filtros e sons sincronizados ao filme. Além disso, a diretora é famosa por ter usado atores negros em suas produções em uma época em que a escravidão acabara de ser proibida no mundo.
Guy-Blaché mergulhou no mundo do cinema em 1894, quando foi contratada como secretária de Léon Gaumont, um dos pioneiros da indústria cinematográfica. Aprendeu sozinha a operar câmeras e iluminação, e travou contato com nomes emergentes como Georges Demenÿ e Auguste e Louis Lumière. Ela percebeu antes de seus companheiros que os filmes poderiam contar histórias e não só replicar a realidade. Pediu permissão para trabalhar em um projeto próprio, o filme La Fée aux Choux, de 1895 – e o resultado foi uma carreira sólida com influência sobre toda a história do cinema.
A sorridente Madame Beudet (La Souriante Madame Beudet, 1922)
Madame Beudet não aguenta mais o marido. Além de violento, ele costuma pregar uma peça assustadora: encostar um revólver descarregado na própria cabeça, ameaçando suicídio só para rir da cara de espanto da esposa. Beudet, então, decide se vingar deixando a arma secretamente carregada. Faz sentido que o média-metragem La Souriante Madame Beudet, de 1922, fale sobre relacionamentos abusivos e trate da desigualdade de gênero dentro do casamento: ele foi dirigido pela francesa Germaine Dulac, feminista e cineasta pioneira que flertava com o impressionismo e o surrealismo.
Dulac começou a vida como jornalista, escrevendo em publicações feministas, como o jornal La Fronde e a revista La Française, e se interessou por cinema ao se tornar crítica cultural. Mas foi em 1914, quando ela e a atriz russa Stacia Napierkowska viajaram juntas para a Itália, que Dulac se apaixonou de vez pelo universo cinematográfico: enquanto Napierkowska atuava em um filme, Dulac aprendeu o básico do cinema e, ao voltar para a França decidiu fundar, junto com a roteirista a Irène Hillel-Erlanger, uma companhia de cinema batizada de D.H. Films.
O primeiro sucesso de Dulac veio pouco depois, em 1918, com o filme Âmes de fous, que alavancou sua carreira pela originalidade – era um melodrama seriado, com ganchos entre um filme e outro. Aos poucos, Dulac ganhou notoriedade: tornou-se presidente da Fédération des ciné-clubs, um aglomerado de cineclubes franceses, e acabou dando aulas na École Technique de Photographie et de Cinématographie (hoje conhecida como Louis Lumière College, uma das maiores faculdades de audiovisual da França).
A francesa dirigiu 36 filmes, incluindo alguns longas, mas acabou sofrendo bastante com a introdução do som ao cinema, em 1927, já que suas criações brincavam bastante com o fato de serem mudas. No entanto, a Dulac trabalhou com a sétima arte até o fim da vida, nos estúdios franceses Pathé e Gaumont.
“Sessão muda, mas não calada”
Onde: Sesc Pompeia, R. Clélia, 93, Pompeia, São Paulo – SP
Quando: de 23 a 25 de junho
Quanto: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia) R$ 9 (comerciário)